Recentemente no Brasil, o Supremo Tribunal Federal aprovou a união civil entre pessoas do mesmo sexo. Várias polêmicas vieram à tona transcendendo a discussão sobre casamento homossexual e preconceito, convidando também à reflexão sobre liberdade de expressão religiosa.
Segundo dados do IBGE, no Brasil existem mais de 60 mil casais homossexuais, número este considerável e que pode ser muito maior ao se considerar aqueles que omitiram sua orientação sexual em razão do preconceito que enfrentam no dia a dia. Dessa forma, do ponto de vista jurídico, esta lei vem ao encontro dos interesses de um grupo social, o qual tem sua representatividade na sociedade e por isso deve ter suas demandas e direitos assegurados pela lei. Afinal de contas, como se sabe, cabe ao sistema jurídico, pelo menos em tese, garantir a igualdade de direitos entre os cidadãos sem fazer acepção de quaisquer características ou peculiaridades existentes e, neste caso, sem se considerar a sexualidade.
Essa decisão é uma conquista importante no sentido de ampliar as garantias patrimoniais entre os homossexuais que vivem em união estável, os quais, em caso de morte do companheiro ou companheira, poderão, com a aprovação desta lei, usufruir legalmente de sua herança, assim como já ocorre com todos os casais heterossexuais desde sempre. Dessa forma, colocando a questão dos direitos sobre patrimônio como o ponto central da discussão em torno desta lei, pode-se falar que a decisão do STF não proporciona uma mudança radical na organização da sociedade brasileira, pois não há restrições legais para que pessoas do mesmo sexo não tenham um relacionamento afetivo, nem mesmo para que não morem juntas. A constituição destas uniões já existe. Em outras palavras, esta decisão do poder judiciário não traz a união homoafetiva como algo novo, mas sim garante sua legalização e direitos outrora cerceados aos casais homossexuais brasileiros.
Em todas as sociedades e ao longo de toda a história da humanidade a relação homoafetiva esteve presente, variando, obviamente, conforme o nível de aceitação social do ponto de vista da cultura, tornando-se algo público ou não. É preciso considerar que os códigos morais e valores são construídos histórica e socialmente, e que por isso se a homossexualidade sempre existiu, por outro lado nem sempre foi tratada da mesma forma. Ainda que se esteja nas primeiras décadas do século XXI e que progressos tenham ocorrido em relação à defesa da integridade humana, a questão da tolerância com relação às minorias (mulheres, negros, homossexuais, entre outros grupos) parece não estar resolvida, fato que se comprova nas ocorrências relatas pelo noticiário, como as agressões contra homossexuais em locais públicos, como na famosa Avenida Paulista, na cidade de São Paulo. No Brasil, ao mesmo tempo em que se aprova uma lei para defesa da mulher, como a lei “Maria da Penha”, também se faz presente um forte preconceito e violência contra homossexuais. Dessa forma, em uma sociedade tão repleta de contradições, não se poderia esperar outra situação do que uma forte divisão entre opiniões “contra” ou a “favor” da discussão suscitada pelo STF.
Considerando-se o estigma que a homossexualidade carrega na sociedade brasileira, não houve consenso na opinião pública com relação a tal lei. Além disso, considerando-se também que esta questão toca a fronteira da religiosidade das pessoas, reverberam-se discursos diversos, os quais, em nome de outros valores que consideram “morais”, esvaziam a defesa da igualdade e da liberdade (fundamentais na moral ocidental) entre os indivíduos, independentemente de sua sexualidade. Dessa forma, pode-se entender que é dever do Estado criar mecanismos para preservação da dignidade humana, a qual não diz respeito apenas a gênero ou orientação sexual, mas sim ao homem enquanto ser autônomo e emancipado.
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Na esteira do debate sobre a legalização da união homoafetiva, tem-se também discutido a criminalização da homofobia, isto é, tornar-se crime a manifestação de preconceito contra homossexual. Mas se a intenção em promover a discussão é boa, por outro lado, a forma como vem sendo colocada e defendida por aqueles que se dizem favoráveis à criminalização da homofobia parece embocar numa contradição que também tem levantado polêmicas. Em nome da defesa da diversidade sexual, cogita-se em tornar crime, por exemplo, a fala e a manifestação pública de religiosos que pregam a inconformidade do homossexualismo com suas convicções religiosas e doutrinárias. Em outras palavras, religiões como o cristianismo (evangélicos, católicos, entre outros) teriam seus líderes e fiéis cometendo crime ao mencionarem que reprovam a homossexualidade e atos como casamentos homoafetivos conforme suas fundamentações, que consideram sagradas.
Intelectuais, a mídia, e a opinião pública de maneira geral, apontam que esta seria uma das maiores polêmicas, pois, em nome de uma liberdade (da opção sexual), estar-se-ia, num primeiro momento, cerceando-se outra (a da liberdade religiosa). Assim, se por um lado a legalização da união homoafetiva e a criminalização da homofobia podem ser um avanço numa sociedade que busca construir uma tolerância com a diversidade (no sentido mais amplo da palavra), por outro pode desencadear (mesmo que esta não seja a intenção) um retrocesso no tocante às garantias de liberdade de expressão e de escolha religiosa. Se a pluralidade das escolhas sexuais deve ser respeitada, não de outro modo devem ser consideradas as expressões religiosas. Impedir que pastores, padres ou quaisquer religiosos confessem sua fé conforme os ensinamentos de sua doutrina parece indicar ser também uma forma de afrontar a liberdade, mais especificamente a liberdade de expressão religiosa.
Neste debate é preciso levar em conta ser consenso que a apologia à agressão física ou psicológica como expressões da homofobia, assim como ao preconceito por si só, devem ser expressamente repudiados. É preciso considerar que a própria essência de religiões como o cristianismo parte do princípio da defesa da vida, do homem, do acolhimento, da tolerância e da paz e, dessa forma, aquele que se considera cristão estaria em contradição com sua própria fé ao defender a violência contra o homossexual. Dessa forma, seria preciso deixar clara a fronteira entre discursos homofóbicos que defendam a violência (física ou psíquica) e outros que apenas desconsideram, embasados em sua religião, a naturalidade da homossexualidade.
Se existe o entendimento da necessidade de um Estado laico para garantir a democracia e o direito, a interferência do sistema jurídico na esfera religiosa parece ser uma ideia fora do lugar. Se a liberdade à escolha da sexualidade, bem como a integridade daquele que se reconhece como homossexual, devem ser garantidas, da mesma forma as liberdades de expressão e de religião devem ser asseguradas por lei.
Paulo Silvino Ribeiro
Colaborador
Bacharel em Ciências Sociais pela UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
Mestre em Sociologia pela UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
Doutorando em Sociologia pela UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
Sociologia –