Violência contra a mulher: causas e consequências

A violência contra a mulher é todo ato lesivo que resulte em dano físico, psicológico, sexual, patrimonial, que tenha por motivação principal o gênero, ou seja, é praticado contra mulheres expressamente pelo fato de serem mulheres.

A violência contra a mulher pode ser praticada no âmbito da vida privada em ações individuais, exemplos disso são:

  • o assédio

  • a violência doméstica

  • o estupro

  • o feminicídio

  • a violência obstétrica

No entanto, a violência contra a mulher também pode ser praticada como ação coletiva, é o caso, por exemplo, de políticas estatais de mutilação genital feminina ainda hoje praticada em alguns lugares. A ação coletiva de violência também pode ser praticada por organizações criminosas, como a rede de tráfico de mulheres para prostituição forçada.

Leia também: O que é feminismo? 

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História da violência contra a mulher

A violência de gênero, não só enquanto ato físico, mas simbólico de desvalorização e subjugação social da mulher, é um fenômeno tão antigo quanto a própria humanidade. Embora se ouça falar de sociedades (lendárias ou não) que eram lideradas por mulheres, a ampla maioria das civilizações foi caracterizada por modelos de poder e liderança masculinos.

Na literatura feminista e mesmo na literatura das ciências sociais, esse fenômeno é definido nas inúmeras abordagens do conceito de patriarcado. Carole Patman (1988), por exemplo, apontou que o patriarcado é um sistema de poder parecido com o escravismo.

Isso porque no modelo social patriarcal não existe uma regulação pública sobre a esfera de vida privada, por isso, os desequilíbrios de poder no ambiente doméstico não são passíveis de normatização ou fiscalização pela esfera política. Isso permite que esse modelo seja inteiramente sujeito à vontade e ao arbítrio de quem possui o poderio econômico da esfera familiar, o senhor.

Exemplos de práticas do modelo patriarcal são a obrigatoriedade da mulher manter relações sexuais com seu marido a despeito da sua própria vontade, a “legítima defesa da honra masculina”, que por muito tempo foi legal e socialmente aceita.

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No Brasil o patriarcalismo desenvolveu-se a partir da colonização. As grandes extensões de terra administradas por um chefe de família a quem se subordinavam todos, escravos e livres, que estivessem nos limites territoriais do seu domínio. O patriarca, grande proprietário de terras, chefiava uma família estendida, composta desde parentes consanguíneos até apadrinhados, e cada clã funcionava de forma autossuficiente e independente dos outros.

Nesse contexto, como aponta Nísia Floresta, as mulheres eram privadas do acesso à educação e à cidadania política. Além disso eram extremamente reprimidas em sua sexualidade, consideradas irracionais e incapazes, controladas em tudo.

A educadora, intelectual e ativista Nísia Floresta (1810-1885) foi pioneira na defesa do acesso de mulheres brasileiras à educação formal.

O processo de urbanização transformou e ressignificou a dominação doméstica:

  • até 1827, mulheres não podiam frequentar escolas básicas;

  • até 1879, mulheres não podiam ingressar no Ensino Superior;

  • até 1932, mulheres não podiam votar;

  • até 1962, mulheres casadas precisavam de autorização do marido para viajar, abrir conta bancária, ter estabelecimento comercial, trabalhar e receber herança;

  • até 1983, mulheres eram impedidas de praticar esportes considerados masculinos, como o futebol.

A ampliação mais abrangente de direitos das mulheres no Brasil ocorreu somente com a Constituição de 1988.

A questão da violência doméstica passou a ser considerada de maneira mais consistente na esfera pública brasileira por meio da criação de conselhos, secretarias de governo, centros de defesa e políticas públicas específicas, já na década de 1980. A primeira Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher (DEAM) foi criada em 1985, em São Paulo, e a principal lei para prevenção e punição da violência doméstica é ainda mais recente, a Lei Maria da Penha, sancionada em 2006.

Principais causas da violência contra a mulher

A desigualdade de gênero é uma relação de assimetria de poder em que os papéis sociais, o repertório de comportamentos, a liberdade sexual, as possibilidades de escolha de vida, as posições de liderança, a gama de escolhas profissionais são restringidas para o gênero feminino em comparação ao masculino.

As causas, portanto, são estruturais, históricas, político-institucionais e culturais. O papel da mulher foi por muito tempo limitado ao ambiente doméstico, que, por sua vez, era uma propriedade de domínio particular que não estava sujeita à mesma legislação dos ambientes públicos.

Sendo assim, a própria mulher era enxergada como uma propriedade particular, sem direito à vontade própria e sem direito à cidadania forjada nos espaços públicos, não à toa o sufrágio feminino e os direitos civis para mulheres são conquistas recentes em muitos países e ainda não completamente efetivadas em nenhum lugar do mundo.

As situações individuais e cotidianas, como sofrer assédio de rua, ter o comportamento vigiado e controlado, não poder usar certas roupas, ser alvo de ciúme, reprimir a própria sexualidade, são sintomas, e não causas, de violações mais dramáticas, como o estupro e o feminicídio.

A violência doméstica não é exclusivamente fruto de um infortúnio pessoal, de uma má escolha, de azar. Ela tem bases socioculturais mais profundas, inclusive as mulheres que rompem a barreira do silêncio e decidem denunciar ou buscar por justiça sentem com muito mais força a reação da estrutura de desigualdade de gênero no desencorajamento, na suspeita lançada sobre a vítima ao invés do agressor.

A causa estruturante, que é a desigualdade de gênero, é agravada por outros fatores que também potencializam a vulnerabilidade à violência, tais como a pobreza, a xenofobia e o racismo. Embora a violência de gênero atinja todas as mulheres, ela se combina com outros fatores e é sentida de maneira mais dura por mulheres pobres, refugiadas e negras.

Tipos de violência contra a mulher

De acordo com a tipificação da Lei Maria da Penha, Lei nº 11.340/2006, são cinco modalidades de violência contra a mulher:

  • Violência física: qualquer ação que ofenda a integridade ou saúde corporal.

  • Violência psicológica: qualquer ação que cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação, como:

                        – constrangimento

                        – humilhação

                        – ridicularização

                        – isolamento

                        – perseguição

                        – chantagem

                        – controle etc.

                        – coação a presenciar ou participar de relação sexual indesejada

                        – impedimento do uso de método contraceptivo

                        – indução ao aborto ou à prostituição etc.

  • Violência patrimonial: qualquer ação que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, bens, recursos, documentos pessoais, instrumentos de trabalho etc.

  • Violência moral: qualquer ação que configure calúnia, injúria ou difamação.

Violência contra a mulher no Brasil

O Brasil tornou-se referência mundial com a Lei Maria da Penha, de 2006, que, além de propor penas mais duras para agressores, também estabelece medidas de proteção às mulheres e medidas educativas de prevenção com vistas a melhorar a relação entre homens e mulheres. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2018 foram aplicadas cerca de 400.000 medidas protetivas.

Os casos em que a medida protetiva é insuficiente para impedir o feminicídio são percentualmente pequenos, portanto, esse é um mecanismo eficaz de proteção a mulheres. Ainda de acordo com o CNJ, correm na Justiça brasileira mais de 1 milhão de processos relacionados à Lei Maria da Penha.

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2018, a maioria das vítimas de feminicídio foram mulheres, negras, com baixa escolaridade e idade entre 30 e 39 anos, sendo que:

  • 61% eram negras;

  • 70,7% haviam cursado somente o Ensino Fundamental;

  • 76,5% tinham entre 20 e 49 anos.

O panorama apresentado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública é alarmante:

As três modalidades de violência contra a mulher são cometidas majoritariamente por homens próximos, da convivência familiar.

O Atlas da Violência, de 2019, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta que num intervalo de 10 anos, entre 2007 e 2017, o feminicídio praticado no Brasil aumentou 30,7%.

Outro levantamento feito pelo Instituto DataSenado, Pesquisa Nacional sobre Violência Doméstica e Familiar, revela uma tendência de mudança no perfil do agressor. Entre 2011 e 2019, a violência contra mulheres foi praticada em maior percentual pelo atual companheiro, porém, esse perfil demonstrou, nesse intervalo de tempo, uma inclinação à queda. Em 2011, 69% das agressões foram praticadas pelo atual companheiro, em 2019, esse percentual foi de 41%.

Já o número de agressões cometidas por ex-companheiros cresceu, em 2011, eles respondiam por 13% dos casos de violência doméstica, em 2019, eram 39%, tecnicamente empatados com o companheiro atual.

Consequências da violência contra a mulher

A violência contra a mulher é uma das principais formas de violação de Direitos Humanos hoje no mundo. É um tipo de violência que pode acometer mulheres em diferentes clivagens etárias, econômicas, étnicas, geográficas etc. A ameaça iminente e mesmo potencial de sofrer essa forma de violência restringe as liberdades civis das mulheres e limita suas possibilidades de contribuição econômica, política e social para o desenvolvimento de suas comunidades.

A violência contra a mulher bem como todas as formas de violência sobrecarregam sistemas de saúde dos países. Mulheres que sofrem violência são mais propensas a necessitar de serviços de saúde do que mulheres que não sofrem violência, e, em caso de danos permanentes à integridade física e à saúde mental, elas necessitam de tratamento continuado.

Pesquisa realizada no âmbito da área da saúde aponta que entre as principais consequências sofridas pelas mulheres que passam por situação de violência, estão|1|: “sentimentos de aniquilação, tristeza, desânimo, solidão, estresse, baixa autoestima, incapacidade, impotência, ódio e inutilidade”. Entre as doenças que são desenvolvidas, estão:

Mudanças comportamentais, como:

  • insegurança no trabalho

  • dificuldade de relacionamento familiar

  • dificuldades sexuais e obstétricas

  • desenvolvimento do hábito de fumar

  • maior propensão a acidentes

Nota

|1| NETTO, Leônidas de Albuquerque. MOURA, Maria Aparecida V. QUEIROZ, Ana Beatriz A. TYRRELL, Maria Antonieta R. BRAVO, María del Mar P. Violência contra a mulher e suas consequências.

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