O que denominamos movimento negro é, na verdade, um conjunto de movimentos sociais que lutam contra o racismo e pela igualdade social e de direitos entre negros e brancos, sobretudo no mundo ocidental, marcado pela escravização de povos africanos.
Desde o século XIX, vários movimentos surgiram em defesa da igualdade de direitos civis, contra a escravidão e contra o racismo. A maior parte desses movimentos concentrou-se em países americanos e na África do Sul, por conta da escravização (nas Américas) e do imperialismo inglês e do apartheid (na África do Sul). No século XX, os movimentos ramificaram-se, desenvolvendo pautas de lutas sociais distintas de acordo com as necessidades da população negra local.
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Movimento de igualdade racial
Apesar das diferenças inerentes aos tipos de movimento que têm em comum a temática racial, o denominador de todos eles é a reivindicação da igualdade racial entre negros e brancos. Devido à escravização e ao colonialismo (movimento histórico de invasão e colonização de países americanos, africanos e asiáticos por parte de países europeus), que causou a captura e comercialização de negros africanos como escravos em todo o mundo, sobretudo nas Américas, vivemos as consequências de um sistema extremamente desigual e cruel com os descendentes das pessoas escravizadas.
No século XIX, a escravidão foi legalmente extinta no mundo ocidental, apesar disso, suas consequências aos povos africanos deixaram marcas profundas na sociedade e os negros continuaram sendo tratados como inferiores. No sul dos Estados Unidos e na África do Sul, houve um sistema de segregação racial oficial — amparado pelas leis — que excluiu as pessoas negras do acesso aos mesmos serviços que a população branca, além de ter estabelecido um sistema de separação que impedia que os negros fossem integrados na rotina social como as pessoas brancas.
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A África do Sul é um país que tem, hoje, expressiva população branca por conta do colonialismo inglês e que, durante os anos de dominação inglesa e da jovem república que surgiu após o fim da dominação, ficou marcado pela segregação oficial num sistema político dominado por pessoas brancas. Para exemplificar, podemos perceber que o primeiro presidente negro do período republicano da África do Sul foi Nelson Mandela, eleito apenas no ano de 1994. Antes de sua eleição, Mandela, que integrou movimentos contra a segregação racial em seu país, passou 27 anos na prisão por conta de sua dura atuação militante.
Atualmente existem diferentes vertentes do movimento negro. Duas correntes mais amplas são o Movimento Negro Unificado e o Movimento Negro Empoderado. O Movimento Negro Unificado tem suas origens na histórica luta que se iniciou nos períodos da escravidão e intensificou-se na década de 1960 em todo o mundo, sobretudo por inspiração de personalidades estadunidenses engajadas na luta, como Martin Luther King Junior, Malcom X, James Baldwin e Angela Davis.
Enquanto o movimento unificado pretende unificar, na luta, todos os negros e todos que somem forças, o movimento empoderado pretende centrar sua atuação no indivíduo. Enquanto o primeiro centra-se naquilo que há de bom na negritude e na raça, o segundo centra-se nas injustiças e no sofrimento histórico da população negra para exigir políticas de reparação. Independentemente das diferenças ideológicas, os movimentos negros querem igualdade e justiça.
Movimentos sociais e suas conquistas
Os movimentos sociais em geral colecionam conquistas históricas, obtidas com muita luta dos seus protagonistas. Para os movimentos negros, em específico, podemos elencar como a mais simbólica e talvez mais antiga conquista a abolição da escravatura nos países americanos.
Na Inglaterra, devido à sua industrialização precoce, a escravidão foi abolida no início do século XIX. O sistema capitalista liberal e industrial precisava de mão de obra assalariada, pois houve a necessidade de uma grande quantidade de consumidores, que, para consumirem, precisavam de liberdade e dinheiro. Essa necessidade foi imposta pela alta produção industrial, pois, se há uma produção em larga escala, faz-se necessário o consumo e a venda em larga escala.
Nas Américas, no entanto, a situação foi diferente. Os estados do sul dos Estados Unidos, a América Central e a América do Sul são países de industrialização tardia e de economia sumariamente agrária. Ao contrário do capitalismo liberal e industrial, a economia agrária suportava a escravidão como modelo de mão de obra.
Foi nesse contexto do século XIX que os movimentos abolicionistas, compostos por intelectuais negros livres que tiveram a oportunidade de estudar, além de brancos apoiadores da causa abolicionista, intensificaram-se. A abolição da escravidão tardia no Brasil foi uma imensa conquista para os movimentos negros.
Na década de 1950, nos Estados Unidos, ainda persistia um sistema legal de apartheid social que segregava negros e brancos. Os negros não podiam frequentar as mesmas escolas que os brancos, os banheiros públicos eram separados e os assentos em ônibus também. Foi nesse contexto que personalidades importantes do movimento negro surgiram por lá, como Martin Luther King, Rosa Parks e Malcom X. Luther King e Rosa Parks eram adeptos da resistência pacífica e da desobediência civil como táticas de luta. Malcom X era adepto da luta ofensiva, mais radical.
Rosa Parks, em 1955, recusou-se a ceder lugar a um homem branco no ônibus coletivo. Luther King organizava protestos em que negros entravam em estabelecimentos que não atendiam pessoas negras e recusavam-se a sair deles. Malcom X era filho de um militante pelos direitos negros no estado de Nebraska, e seu pai foi assassinado. Mais tarde, Malcolm converteu-se ao islamismo e fundou a Organização da Unidade Afro-Americana (OUAA).
O que havia em comum entre essas três personalidades do movimento negro nos Estados Unidos era a resistência à segregação racial num país extremamente racista. Inclusive, nessa época, uma entidade que ganhava cada vez mais força nos EUA era a Ku Klux Klan — uma organização assumidamente racista, antissemita e extremista.
A luta dessas pessoas e de outras que vieram depois — como Angela Davis e James Baldwin, integrante do movimento Black Power e dos Panteras Negras (grupo radical revolucionário, com inspirações marxistas e táticas guerrilheiras) — trouxe como conquistas o fim do regime de segregação racial.
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Luta pela igualdade racial no Brasil
No Brasil, apesar de não haver um sistema oficial de segregação racial, o racismo causa a segregação social desde o fim da escravidão. Aqui, a luta do movimento negro foi inspirada por personalidades, como Zumbi e Dandara dos Palmares, lideranças no maior quilombo já registrado em nossa história. Também foi um nome de extrema importância o advogado, jornalista, escritor e abolicionista negro Luís Gama.
No século XX, o movimento negro contou com forte atuação de pessoas, como: o artista, escritor, político e ativista Abdias do Nascimento; e a Iyalorixá (mãe de santo, líder de terreiro de candomblé) Mãe Menininha do Gantois, que defendeu o culto do candomblé e conquistou a admiração de artistas que deram mais visibilidade à importância de preservar-se as religiões de matriz africana.
Outras personalidades importantes para a luta do movimento negro são: a empregada doméstica e ativista pelos direitos das empregadas e dos negros Laudelina de Campos Melo; o geógrafo e professor Milton Santos; o antropólogo e professor congolês naturalizado no Brasil Kabengele Munanga; o professor José Vicente; e, mais recentemente, a filósofa e ativista Djamila Ribeiro e a socióloga, ativista e política Marielle Franco.
Marielle ficou conhecida por sua atuação em defesa dos direitos humanos, da população negra e das mulheres. Desde 2016, ela vinha denunciando o projeto de intervenção de tropas federais nas favelas do Rio de Janeiro para a redução da criminalidade, o que para Marielle estava acarretando na morte de jovens negros na cidade. Além disso, a então vereadora denunciava a atuação de milícias nas comunidades cariocas. Marielle foi assassinada em 14 de março de 2018, ao que a investigação policial indica, por uma milícia carioca.
Como resultado da atuação de tais movimentos temos, por exemplo, a Lei 12.711/12 e a Lei 12.990/14, popularmente conhecidas como Leis de Cotas. A primeira prevê a reserva de 50% das vagas em cursos de universidades e institutos federais para estudantes de escola pública e estudantes que se autodeclarem pretos, pardos ou indígenas. A segunda prevê a reserva de 20% das vagas ofertadas em editais de concursos públicos federais para pretos, pardos e indígenas.
Também foi sancionada a Lei 7.716/89, popularmente conhecida como Lei Caó, que prevê detenção de um a cinco anos para crime de discriminação racial. Essa lei veda a recusa ao acesso a estabelecimentos públicos ou privados, o impedimento de acesso aos transportes públicos, a recusa à matrícula em instituições de ensino, ofensas, agressões e tratamento desigual por motivação racial; também veda a confecção e publicação da cruz suástica para a promoção do nazismo, bem como a propagação de ideias nazistas.
Consciência negra
Outra grande conquista para o movimento negro no Brasil foi o estabelecimento do dia 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciência Negra. A escolha da data deu-se por ser a data do assassinato de Zumbi dos Palmares, líder do maior quilombo da história brasileira, o Quilombo dos Palmares. O estabelecimento da data ocorreu para que haja discussão e conscientização social, em torno da condição das pessoas negras em nosso país, sobre o racismo, e para que a luta do povo negro e os terríveis anos de escravidão não sejam apagados de nossa história.
A data foi estabelecida pela primeira vez, em 1978, pelo Movimento Negro Unificado, sendo oficialmente reconhecida pela Lei 10.639/03. Nesse dia, ONGs, setores organizados da sociedade, sindicatos, entidades ligadas ao movimento negro, instituições de ensino e parte da mídia promovem debates, seminários e programas com a temática racial em nosso país.
Como surgiu o Movimento Negro Unificado (MNU)?
Em 18 de junho de 1978, o feirante Robson Silveira da Luz foi acusado de roubar frutas na feira onde trabalhava. O homem negro de 27 anos foi levado para a 44º Delegacia de Polícia de Guaianazes, na Zona Leste de São Paulo. Lá o rapaz foi torturado e morto. Em 7 de julho de 1978, um ato contra a morte de Robson reuniu duas mil pessoas na escadaria do Teatro Municipal de São Paulo. Aquele era o momento de nascimento do MNU.
A partir do ato, vários representantes de movimentos que lutavam pela igualdade racial uniram-se para tornarem-se uma única entidade, mais forte e coesa. Como conquistas do MNU, além da proclamação do dia 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciência Negra, há a proibição da discriminação racial na Constituição Federal de 1988 e a criação da Lei Caó, de 1989, que tipifica o crime de racismo no código penal.
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[2] Cassiohabib/Shutterstock