Estado laico: o que é, importância, no Brasil

O Estado laico surgiu junto ao republicanismo a fim de garantir que houvesse igualdade entre todos os cidadãos. Após diversas guerras e conflitos por conta de religião, as pessoas começaram a enxergar a necessidade de separar as decisões estatais da Igreja, pois ela não poderia servir como base para justificar as ações do governo.

A junção entre Estado e Igreja foi abandonada com o modo de governar do Antigo Regime pela maioria dos países, pois os monarcas absolutos de antes necessitavam da suposta bênção divina para justificar as suas ações. O republicanismo e a dissolução do poder estatal no Parlamento retiraram o peso das ações governamentais da religião e colocaram-no inteiramente no povo, na competência dos agentes públicos e no âmbito do Estado.

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Afinal, o que é o Estado laico?

Estado laico ou, no âmbito religioso, Estado secular é aquele que não adota religião oficial, não interfere nos assuntos religiosos – a menos que esses estejam relacionados diretamente com questões jurídicas – e não se deixa ser influenciado por nenhum viés unilateral religioso, ou seja, é independente de qualquer religião.

A palavra secular também é utilizada para designar algo que é laico. Secular vem do latim saeculare, que significa mundano, ou seja, o que é do mundo físico e “não pertencente a Deus”.

Em um Estado laico, não é vedada a prática religiosa, muito pelo contrário, as pessoas são protegidas pela Constituição para manifestarem livremente suas crenças e cultos, desde que observado o princípio de que a religião pertence à vida privada e não pode servir de parâmetro para um agente público em exercício do dever.

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Em um Estado laico, não se admite qualquer ação governamental ou estatal justificada por meio de assuntos religiosos. Muito menos se admite que assuntos religiosos assumam o caráter de lei para a garantia da hegemonia de apenas um grupo religioso. No âmbito de um Estado laico, entende-se que toda e qualquer visão religiosa de mundo deve ser respeitada e que a liberdade de culto e de crença deve ser garantida.

Para que isso seja possível, há uma Constituição e leis que garantem o culto e respeitam todas as religiões. Do mesmo modo, aqueles que se abstêm de escolher uma crença religiosa, preferindo definirem-se enquanto ateus ou agnósticos, devem ser respeitados.

Entende-se que a religião é algo pessoal, que o favorecimento de algumas vertentes em detrimento de outras pode ocasionar conflitos civis e religiosos e que o Estado, enquanto organismo que deve garantir a igualdade, não pode tomar parte em tais conflitos a menos que em defesa da pluralidade e da igualdade.

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Tipos de Estado

A seguir, comentaremos os tipos de Estados e suas relações com a religião, também discutiremos essa relação em países específicos, como a Alemanha e a Índia.

Estado confessional é aquele que adota uma religião oficial. Essa religião adotada não terá poder irrestrito e absoluto e pode não estar tão fortemente ligada às decisões governamentais e às políticas de Estado. No entanto, o simples fato da adoção de uma religião oficial pode excluir a importância das outras.

Teocracias ou estados teocráticos são aqueles em que há uma religião oficial adotada e os sistemas Legislativo e Judiciário estão sob tutela dessa religião. As atuais teocracias são os países subjugados às leis islâmicas (como o Irã) e o Vaticano, sob domínio da Igreja Católica.

Um Estado ateu é aquele que combate à religião em seu interior por não enxergar nas práticas religiosas algo que reforce a ideologia e a postura de tal Estado. Exemplos de Estados ateístas são os países socialistas do século XX, como a União Soviética, a China e a Coreia do Norte. Todos os países mencionados garantem, hoje, a liberdade religiosa, e a Rússia (integrante da extinta União Soviética) é, atualmente, um país laico.

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Relação entre Igreja e Estado na Alemanha

A Alemanha nunca foi, de fato, totalmente laica, na contramão das outras repúblicas e de Estados nacionais ocidentais modernos. Otto von Bismarck, o chanceler que realizou o processo de unificação da Alemanha no século XIX, tomou uma série de medidas que visava a separar os domínios estatais das igrejas, mas essas foram anuladas, em 1919, pela República de Weimar.

A República de Weimar foi o período republicano que a Alemanha viveu entre 1919 e 1933, regida por um sistema republicano democrático e constitucional. No entendimento da equipe de juristas, cientistas políticos e economistas que participaram da Assembleia Constituinte (entre eles, estava o sociólogo Max Weber), a reaproximação entre Estado e Igreja era justificável por conta da histórica participação do protestantismo nos governos alemães.

A ascensão do governo nazista na Alemanha, que colocou fim à República de Weimar em 1933, reaproximou ainda mais os domínios religiosos (cristãos) do Estado. Um dos elementos pelos quais Hitler justificou os planos de perseguição aos judeus e o estabelecimento do que ele chamou de raça pura foi a religião cristã. Segundo o líder nazista, somente a raça ariana (branca e oriunda dos povos germânicos), que fosse igualmente cristã, teria o direito a habitar e prosperar no território alemão. A intenção de Hitler era levar a cabo o seu projeto de expansão da Alemanha e intensificação de seu governo tirânico.

Durante a Guerra Fria (conflito político-ideológico iniciado após a derrota do nazismo e o fim da Segunda Guerra Mundial), sobretudo após a construção do Muro de Berlim (que separou Berlim Oriental de Berlim Ocidental), houve uma disputa ideológica entre religiosos e políticos muito forte. Berlim Oriental, de governo marxista, não admitia a participação religiosa dentro do governo e desestimulava a religião entre a população, assim como fez a União Soviética. A Berlim Ocidental, de orientação política liberal e capitalista, mantinha um sistema de aproximação do governo com lideranças cristãs católicas e protestantes.

Atualmente, a Alemanha é um país oficialmente laico, apesar de apresentar uma espécie de flerte com a religião cristã nas políticas educacionais, por exemplo. O ensino religioso de tradição cristã é obrigatório nas escolas alemãs e, geralmente, é ministrado por professores com formação para atuarem no ensino religioso, geralmente oriundos da vertente católica ou protestante do cristianismo. Na Baviera, como em outros Estados alemães, a fixação de crucifixo na sala de aula é obrigatória por lei.

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Relação entre Igreja e Estado na Índia

O caso indiano é bastante complicado, pois o antigo Estado hindu (denominação para o modo de governar indiano predominante no país até o século XIX) deixou como sequela o sistema de castas |1|, extremamente excludente. Também eram comuns, como resultado do antigo sistema político-religioso, os casamentos infantis. Hoje, a Índia é um país laico, porém com sequelas do Estado teocrático que permanecem na cultura do povo indiano.

Esculturas em templo hindu.

Educação laica e educação confessional

A ideia de uma educação laica advém do iluminismo francês. Os teóricos iluministas acreditavam que o avanço político poderia ser alcançado com o avanço científico e que, quanto mais amplificado fosse o alcance do conhecimento na sociedade, melhor. Daí surgiu a necessidade de se pensar em uma educação pública, gratuita, universal e laica.

Durante a Idade Média até a Modernidade, as instituições de ensino eram somente confessionais, ou seja, adotavam concepções religiosas por serem mantidas por ordens religiosas e igrejas. O sistema educacional brasileiro permite a existência de escolas confessionais de natureza privada ou que o sistema público de ensino estabeleça parcerias com instituições confessionais, desde que observada a garantia de acesso de toda e qualquer criança a essas instituições, não importando a sua crença ou fé religiosa.

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Qual é a importância do Estado laico?

A história da humanidade presenciou diversas formas de conflitos religiosos e políticos causados ou sustentados pela religião. Na Antiguidade, por exemplo, Sócrates foi executado após ser julgado por denúncias de, entre outras coisas, professar a fé em outros deuses que não os gregos. A condenação do filósofo, considerada mais tarde uma injustiça por Platão e Aristóteles, deu-se por conta da contrariedade causada por Sócrates em políticos poderosos de Atenas.

Até hoje não existe qualquer indício de que Sócrates realmente tenha professado a fé em outros deuses. No entanto, o que está em jogo não é a culpa ou não do pensador, e sim a postura do júri e da Assembleia de Atenas ao julgar um homem por sua suposta crença religiosa contrária.

Ao vermos a utilização da religião como arma para condenar um ser humano por causa de atritos políticos, fica evidente a importância de preservar-se o direito de todos de professarem e cultuarem os seus deuses. Em outro momento da história, a humanidade presenciou as Cruzadas, que consistiu em um conflito político com interesses políticos e territoriais que se fez passar por uma guerra santa (guerra motivada por questões religiosas).

Outro momento que chocou a humanidade foi o holocausto, provocado pelo governo nazista na Alemanha. O genocídio perpetrado pelos nazistas tinha, em sua superfície, uma justificativa religiosa (a crença antissemita de que os judeus eram responsáveis pela ruína alemã). No entanto, a intenção nazista era colocar no inimigo político (aparentemente pela religião) a culpa pelas mazelas sociais para unir a população em torno de uma ideologia e, consequentemente, em apoio ao líder (no caso, Adolf Hitler)

A importância do Estado laico centra-se no fato de que a liberdade religiosa é um direito humano fundamental, o qual que deve ser garantido. Somente um Estado laico pode resguardar o respeito e a igualdade entre toda e qualquer religião, sem privilegiar algumas ou depreciar outras. Deve-se lembrar que o ato de não professar fé em Deus (ateísmo) e o de não optar por religiões ou se abster de decidir acerca de uma religião (agnosticismo) também devem ser respeitados.

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Quando surgiu o Estado laico no Brasil?

Em 7 de janeiro de 1890, foi promulgado o Decreto 119-A, que tornava o Brasil (já republicano desde o golpe de 1889) um país laico. No ano seguinte, foi promulgada a Constituição Federal de 1891, a primeira da República. Esse documento também garantia a liberdade religiosa e retirava do governo e do Estado a adoção de uma posição religiosa oficial.

O Decreto 119-A trouxe uma série de mudanças para a vida civil e para a organização governamental brasileira. Nessa ocasião, foi criado o casamento civil, tornando o casamento religioso opcional e a união civil a forma reconhecida pelo governo. Os cemitérios, antes administrados por igrejas, passaram a ser geridos pelo poder público.

A opção pelo Estado laico faz parte do pensamento republicano e do positivismo, ideais que moveram as ações dos militares responsáveis pela Proclamação da República e pelo governo provisório do Marechal Deodoro da Fonseca.

Martinho Lutero e o Estado Laico

A Reforma Protestante, iniciada por Lutero, ocasionou o início de uma revisão da relação entre Estado e Igreja. Muitas das críticas do reformador contidas em suas 95 teses não eram apenas erros da Igreja Católica, mas erros da Igreja Católica cometidos sob a permissão estatal ou em conluio com governantes.

Lutero, o reformador da Igreja.

Lutero entendia que os dois domínios, da religião cristã e do Estado (que ele chamou domínio da Espada), eram criações divinas, porém distintas. O domínio da religião cristã era o primeiro e mais natural. Lutero acreditava que, se todos fossem verdadeiramente cristãos, haveria ordem e respeito, não sendo necessário o domínio da espada.

Como eram poucos os cristãos verdadeiros, isto é, que seguiam os ensinamentos de Cristo, foi necessário, segundo Lutero, que Deus criasse o domínio da espada para manter o funcionamento de tudo em sua perfeita ordem.

|1| Para a religião hinduísta tradicional, os seres humanos pertencem a castas, que são estabelecidas pelas divindades e são hereditárias. O sistema de castas tradicional estabeleceu a existência de cinco castas. A mais nobre seria a dos brâmanes, que teriam surgido a partir da cabeça da divindade Brahma, da mitologia hindu. A mais inferior seria a dos parias, que teriam surgido a partir da sujeira dos pés de Brahma. Esse sistema fez com que os párias fossem considerados sujos, “intocáveis” e indignos, o que os levou à marginalização extrema na sociedade indiana durante muito tempo. Com o fim da dominação inglesa, que ocorreu na primeira metade do século XX, a política de castas passou a ser repensada. A proibição efetiva pela lei ocorreu com a Constituição Indiana de 1947. No entanto, a discriminação em razão das das castas hindus ainda acontece na Índia.

 

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