Estado Democrático de Direito: o que é, histórico

O Estado Democrático de Direito está baseado no cumprimento por parte dos governos das normas de Direito (o que já era proposto pelo chamado Estado de Direito, que teve seu nascimento e ascensão nos séculos XVII e XVIII) e no chamado Estado social de Direito ou Estado de bem-estar social, que compreende uma série de medidas que devem ser atendidas pelo Estado soberano para tornar digna a vida da população.

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Estado de Direito e Estado Democrático de Direito

Há uma diferença fundamental entre as categorias jurídicas nomeadas Estado de Direito e Estado Democrático de Direito. O Estado de Direito surgiu nos séculos XVII e XVIII no âmbito das revoluções que provocaram mudanças na organização política das sociedades inglesa e francesa ao acabar com o absolutismo (forma de governo autoritária baseada na imposição da lei por um governante absoluto) e implantar o parlamentarismo (sistema de governo composto por um corpo parlamentar – deputados, senadores e Poder Legislativo em geral – que está submetido a um sistema de leis, a Constituição, e que deve governar a partir do cumprimento dessas leis).

John Locke, um dos filósofos contratualistas e “pai” do liberalismo moderno.

No sistema parlamentar, os legisladores devem governar a partir do que está previsto no corpo das leis. Se os legisladores cometem excessos e descumprem com a lei em seu governo, eles podem ser depostos. Isso acontece porque há, no Estado de Direito, a previsão de uma espécie de “direito natural”, que deve ser regulado pelo contrato social, como foi estabelecido no âmbito da Filosofia Política pelo filósofo inglês moderno John Locke.

Segundo a teoria do contrato social de Locke, todos os cidadãos têm direitos por natureza e, na medida em que podem surgir conflitos da reivindicação desses direitos, os cidadãos unem-se na sociedade e estabelecem um acordo para que haja a mediação dos conflitos e, consequentemente, a paz. Quando um cidadão descumpre o pacto ou o contrato social, ele comete um crime.

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Baseada nesses ideais, a Inglaterra implantou o parlamentarismo no ano de 1689, após passar por séculos de absolutismo e pela ditadura de Oliver Cromwell, que foram regimes autoritários por imporem, por si mesmos, as leis e não respeitar o direito individual. Na França, aconteceu algo semelhante, pois a Revolução Francesa destituiu o poder absolutista a partir das batalhas ocorridas entre 1789 e 1795 e colocou no lugar um governo republicano baseado no cumprimento das normas do Direito estabelecidas pela Constituição.

A Queda da Bastilha foi o evento da Revolução Francesa que representou o fim do absolutismo e a aplicação de um Estado de Direito liberal.

O poder nos governos republicanos é distribuído, portanto, entre aqueles que criam as leis (o Legislativo), aqueles que executam as leis em seus governos (o Executivo) e aqueles que atuam quando há o descumprimento da lei por parte de um dos poderes ou dos cidadãos comuns (o Judiciário). Os direitos fundamentais que regulam esse tipo de Estado são os direitos à vida, à liberdade e à igualdade.

Os governos francês e inglês modernos começaram a instaurar no mundo o chamado Estado de Direito, que desde a sua fundação tinha uma forte inspiração burguesa e liberal. O liberalismo é uma doutrina econômica idealizada por John Locke e mais bem teorizada e fundamentada pelo filósofo e economista inglês Adam Smith. Segundo esses pensadores, o governo não deveria intervir na economia e, diretamente, no modo de vida das pessoas, limitando-se a solucionar os conflitos e a organizar a verba estatal e aplicá-la nas obras públicas.

Uma série de distorções ocorreu nas sociedades liberais, principalmente em virtude da miséria em que se encontrava a população e da exploração dos trabalhadores das fábricas por parte da burguesia, fazendo emergir o pensamento socialista, que foi detalhado e transformado em doutrina econômica por Karl Marx, filósofo, sociólogo e economista alemão, e Friedrich Engels, economista e jornalista, considerados os criadores do socialismo científico.

A população geral estava insatisfeita. A fome, a falta de emprego, as jornadas exaustivas, a falta de direitos para os trabalhadores (como salário mínimo, descanso semanal remunerado, aposentadoria e licença-maternidade), os altos índices de violência, a baixa escolarização e o alastramento de doenças levaram a população europeia à beira da ruína.

Em razão desses problemas sociais, no início do século XX, os economistas passaram a rever o liberalismo econômico, que fundamentava o Estado de Direito. O economista inglês John Maynard Keynes criou, então, uma teoria que ficou conhecida como keynesianismo ou social-democracia.

A social-democracia baseia-se na premissa de que, para que o mercado, a economia, o governo e a vida das pessoas funcionem adequadamente, o Estado deve atender a uma série de normas que visem a melhorar a vida geral da população e manter um Estado de bem-estar social, ou seja, o Estado Social, que mais tarde ficou conhecido no meio jurídico como Estado Democrático de Direito.

Keynes foi o responsável pela teoria que sustentou a ideia de Estado de bem-estar social, que influenciou a concepção de Estado Democrático de Direito.

A aparente junção do Estado Liberal com o Estado Social para fundar o Estado Democrático de Direito não era assim tão simples. Segundo José Afonso da Silva, jurista e professor titular aposentado de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, “O Estado democrático de Direito concilia Estado democrático e Estado de Direito, mas não consiste apenas na reunião formal dos elementos desses dois tipos de Estado. Revela, em verdade, um conceito novo que incorpora os princípios daqueles dois conceitos, mas os supera na medida em que agrega um componente revolucionário de transformação do status quo.|1|

Isso significa que o Estado Democrático de Direito passou a formar um novo conceito, completamente diferente do que já era feito pelo Estado de Direito, por acomodar em si novos elementos que dizem respeito à vida e à sua regulação nas sociedades contemporâneas.

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Características, fundamento, conceito e implicações

O Estado Democrático de Direito, apesar de parecer ser um simples Estado de Direito entoado por governos democráticos, onde há apenas a participação popular na escolha dos governantes, não é. A democracia na escolha dos participantes é fundamental, mas deve haver também uma série de garantias de direitos fundamentais para que haja, de fato, liberdade e igualdade entre as pessoas.

Esses direitos são educação, saúde, saneamento, direito de ir e vir, direito ao julgamento livre e imparcial, com a prerrogativa de ampla defesa para aqueles que são acusados de cometer crimes, direito à alimentação adequada, direito à previdência (aposentadoria) e a garantia dos direitos trabalhistas em geral (férias remuneradas, descanso remunerado semanal, jornada de trabalho fixa e justa, salário mínimo, licença-maternidade, licença médica, entre tantos outros).

O conjunto de direitos que adentraram na concepção de Estado Democrático de Direito visa a garantir, em suma, a dignidade da pessoa humana, partindo do pressuposto de que todo mundo tem direito a garantias básicas que tornem a sua vida digna de ser vivida. Existem documentos oficiais, nos âmbitos do Direito Constitucional e do Direito Internacional, que regulamentam as garantias que devem ser atribuídas à população em um Estado Democrático de Direito.

Em um Estado Democrático de Direito, as leis e a justiça são elementos fundamentais.

Os países democráticos, sendo republicanos ou parlamentaristas, devem ter as suas leis garantidas por uma Constituição. É dever dos Estados, a partir de seus poderes, garantir a manutenção desses direitos. Para regulamentar e executar tal manutenção, são eleitos governos e um corpo legislativo que operam no sentido de garantir que todas as normas jurídicas sejam respeitadas.

No âmbito internacional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é um documento oficial que rege o sistema jurídico internacional na tentativa de evitar que os Direitos Humanos básicos sejam desrespeitados. Existem organismos, como a ONU e a Unesco, que atuam na fiscalização dos governos, visando a coibir qualquer excesso ou desrespeito aos Direitos Humanos dentro dos países.

Estado Democrático de Direito e a Constituição Federal Brasileira

O artigo 1º da Constituição Federal Brasileira de 1988 diz:

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo político.

Ainda o primeiro artigo, em seu parágrafo único, diz que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Esse primeiro parágrafo reúne toda a essência democrática da Constituição Federal Brasileira de 1988 e abriga em si a responsabilidade que o Estado brasileiro assumiu com o seu povo: garantir a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. A partir do momento em que o Estado não consegue garantir esses direitos, ele está falhando do ponto de vista constitucional.

O documento que garante nossas leis é a Constituição.

Garantir a atenção à saúde básica, a escolarização, o saneamento, o julgamento imparcial e público, além da garantia dos direitos trabalhistas e da liberdade individual são papéis do Estado segundo a Constituição Federal Brasileira, já expressos no inciso III do artigo 1º, que declara como direito de todos o princípio da dignidade humana.

É necessário, portanto, que o Brasil avance nesse sentido, melhorando o atendimento à saúde básica e o sistema de educação pública, bem como ampliando o saneamento básico para todas as pessoas (17,7% da população brasileira ainda não tem acesso à água potável e 49,7% da população não tem acesso à captação e tratamento de esgoto)|2|. Defender o Estado Democrático de Direito no Brasil é defender a dignidade do povo brasileiro.

Notas

|1| SILVA, José Afonso. O Estado Democrático de Direito. In: Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: FGV, vol. 173, jul./set. de 1988, pp. 15-34, p. 15-16.

|2| Dados obtidos em matéria publicada pelo site de notícias G1. Para conferir a matéria na íntegra, clique aqui.

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