O colorismo é um sistema de classificação social que determina como as pessoas devem ser lidas socialmente de acordo com o tom da pele e outras características. Ele pode acontecer nas relações entre pessoas de todas as cores, dependendo muito da história local. Essa forma de discriminação é baseada na tonalidade da pele e em outros traços físicos. Ela afeta a vida dos indivíduos porque ajuda a perpetuar desigualdades, prejudica a autoestima e impede o acesso a oportunidades.
No Brasil, o colorismo é amplamente discutido nas redes sociais e nas discussões políticas acerca do lugar de pessoas negras de pele clara, ou “pardas”, na população brasileira. Apesar de serem parecidos, o racismo e o colorismo apresentam diferenças importantes de ser explicadas. Todavia, assim como o racismo, o colorismo afeta negativamente a autoestima, o acesso a oportunidades e a saúde mental das pessoas negras.
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Tópicos deste artigo
Resumo sobre colorismo
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O colorismo é um sistema de classificação racial que determina como as pessoas devem ser lidas socialmente de acordo com o tom da pele e outras características.
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Suas origens remontam ao início da Idade Moderna, quando os europeus construíram o sistema-mundo conquistando colônias.
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O conceito começou a ser usado por escritores e ativistas negros dos anos 1980 e foi cada vez mais assimilado pelas Ciências Sociais.
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Se o racismo pretende excluir uma pessoa de determinado grupo racial, o colorismo estabelece hierarquias dentro desse mesmo grupo racial com base na pigmentação da pele.
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No Brasil, por causa do mito da democracia racial, o conceito de colorismo precisa ainda ser muito discutido e pesquisado.
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Suas consequências são enormes para perpetuar desigualdades, marginalizar grupos e prejudicar a vida mental de pessoas negras tanto de pele clara quanto de pele escura.
O que é colorismo?
O termo colorismo é definido como a diferença de tratamento, entre pessoas negras, baseada unicamente na cor da pele. Ele pode acontecer entre pessoas de pele negra, mas, assim como o racismo, funciona de forma estrutural no Brasil e não depende só das intenções individuais. Diferentemente do racismo, que se orienta pelo pertencimento do sujeito a uma raça para exercer a discriminação, o colorismo enfatiza a cor da pele da pessoa.
O colorismo cria uma espécie de pigmentocracia. Segundo a sua lógica preconceituosa, quanto mais escura é a pele de uma pessoa, menos acessos ela pode conseguir e mais tipos de racismo pode sofrer. Sendo assim, ainda que uma pessoa seja reconhecida como afrodescendente, a tonalidade da sua pele (e outras características físicas) acaba sendo decisiva para definir o seu pertencimento social e o tratamento afetivo que ela receberá dos outros.
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Origens do colorismo
A palavra colorismo é relativamente recente. Ela se popularizou nos Estados Unidos, a partir da década de 1980, por causa dos livros e do ativismo de pessoas como Alice Walker, Toni Morrison, bell hooks e Kwame Anthony Appiah. Em 2002, a socióloga Margaret Hunter ganhou destaque com o seu artigo intitulado “Colorismo e casamento: preferências nos Estados Unidos”.
No artigo, Hunter examina como as noções de beleza e atração associadas à cor da pele afetam a escolha da parceiros românticos e cônjuges. A sua pesquisa, apoiada em estatísticas e entrevistas, demonstra que há uma preferência geral por parceiros de pele clara, especialmente entre homens negros e mulheres brancas.
Dentro do sistema-mundo, o papel de uma colônia é fornecer recursos para que a potência colonizadora possa fabricar de forma barata os seus produtos, que serão lucrativamente vendidos nos mercados mundiais, inclusive para as suas colônias. O colonialismo desempenhou papel importante na aceleração do desenvolvimento do capitalismo na Europa desde o início da Idade Moderna.
Os impérios desde então formados criaram riquezas para gerar investimentos e mercados para o consumo de mercadorias cada vez mais abundantes. Para aprofundar a exploração e aumentar os lucros, o colonizador estabeleceu nas colônias padrões de dependência e dominação econômica, política, social e cultural.
O controle social das colônias fundamentava-se numa hierarquia na qual pessoas de diferentes etnias ou raças eram classificadas com base em sua proximidade com os padrões europeus de beleza e cultura. Embora as ex-colônias sejam agora autogovernadas, as relações de exploração persistem dentro delas. É assim que, por exemplo, grupos étnicos ou raciais dominantes dentro de um mesmo país podem continuar explorando grupos subordinados ainda por muito tempo.
Os colonizadores europeus, influenciados por ideologias racistas, concluíram que a pele escura e outros aspectos físicos seriam traços de degeneração. Essa crença foi reforçada por teorias pseudocientíficas, como o darwinismo social e a frenologia, que promoveram a ideia da superioridade branca e relacionaram os negros ao comportamento criminoso.
Confira nosso podcast: Diferença entre preconceito, racismo e discriminação
Colorismo e racismo
O colorismo não deve ser confundido com racismo, embora estejam relacionados. Os dois se baseiam em preconceitos enraizados na sociedade. No entanto, enquanto o racismo discrimina um indivíduo com base na crença de que algumas raças são superiores a outras, o colorismo se concentra nas nuances de cor dentro de um mesmo grupo étnico.
Sendo assim, sem excluir uma pessoa de determinado grupo racial, o colorismo estabelece hierarquias dentro desse mesmo grupo com base na pigmentação da pele. Mesmo assim, é importante reconhecer que o colorismo e o racismo estão interligados e podem se sobrepor. Assim como o racismo, o colorismo impacta a vida de indivíduos prejudicando as suas perspectivas de sucesso, os acessos a oportunidades e o tratamento justo. Para entender melhor o conceito de racismo, clique aqui.
Colorismo no Brasil
Vamos começar pelo fato de que a cor, no Brasil, abrange mais que a cor de pele: na nossa classificação, a textura do cabelo e o formato de nariz e lábios, além de traços culturais, são elementos importantes na definição de cor (preto, pardo, amarelo e branco). Apesar de se orientar na cor da pele, o colorismo brasileiro contempla também esses aspectos fenotípicos. Além disso, expressões culturais e religiosas associadas à cor preta são constantemente alvos de intolerância e preconceito.
Em 1976, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) permitiu que cada indivíduo dissesse de forma livre com qual cor se identificava no Censo Demográfico, entre os mais de 136 registros, estavam identificações como “cor de burro quando foge”, “meio branca”, “loira clara” e “morena castanha”.
Atualmente, o levantamento padroniza as cores de pele e etnias em amarelo, branco, indígena, pardo e preto. As pessoas declaradas negras (pretos e pardos) no Brasil representam mais de 56% da população. Como a população brasileira é tão miscigenada, é essencial discutir o colorismo para enfrentar o racismo estrutural.
Esse enfrentamento, na sociedade brasileira, encontra um obstáculo porque somos muito afeiçoados à ideologia da miscigenação e ao mito da democracia racial, difundidos pela obra de Gilberto Freyre. Mais da metade da população brasileira é autodeclarada preta, mas o termo miscigenação, atrelado ao referido mito, levou a crer que apenas pessoas de pele retinta podem ser referenciadas como pretas.
Ao contrário dos Estados Unidos, os nossos indicadores sociais sobre educação, trabalho e saúde não revelam qualquer tipo de vantagem de pessoas negras de pele clara em relação às pessoas negras de pele escura.
Segundo dados divulgados pelo IBGE, em 2017, enquanto o rendimento médio real de um trabalhador branco era de R$2660 e o de um trabalhador preto era de R$1461, o de um pardo era de R$1480. No mesmo ano, entre os jovens assassinados, de 15 a 29 anos de idade, a maior parte deles era de homens pardos. O mesmo acontece no sistema carcerário. Nas prisões femininas, por exemplo, em 2017, mulheres pardas representavam 48,04%, pretas 15,51% e brancas 35,59%.
Entre as empregadas domésticas, 50% são pardas (as quais somam 40% do total de mulheres), 13% são pretas (quando são 8% do total de mulheres), e 35% são brancas (47% do total das mulheres).
Durante a pandemia, o número de mortes por doenças respiratórias, mesmo sem o diagnóstico do covid-19, cresceu 24,5 % mais entre os brancos, 70,2 % mais entre os pretos e 72,8 % mais entre os pardos, se compararmos o período entre 16 de março de 2019 e 30 de junho de 2020. Do mesmo modo, na pandemia, enquanto o desemprego entre brancos era de 9,5%, entre os pretos era de 14,4%, e entre os pardos, de 14,1%.
É um privilégio ter maiores chances de ocupar um emprego subalterno, de morrer vítima da violência ou de ocupar uma cela lotada na prisão ou um leito no hospital? Essas estatísticas servem para mostrar que a democracia racial é uma ideologia historicamente datada, mas não servem para descrever as relações raciais no país.
Consequências do colorismo
Uma das consequências do colorismo é a perpetuação de estereótipos e preconceitos raciais. Ele orienta que as pessoas negras de pele mais clara são mais atraentes, inteligentes e bem-sucedidas, enquanto as de pele mais escura são estigmatizadas e marginalizadas. Isso leva a uma desigualdade de oportunidades, afetando o acesso a empregos, educação, moradia e outros recursos importantes. Desse modo, o colorismo, ou então a pigmentocracia, cria uma hierarquia de cor dentro de um grupo racial, gerando divisões e tensões.
No mercado da moda e da beleza, o colorismo se manifesta nas poucas linhas de produtos que oferecem opções para as pessoas negras de pele escura. Isso acaba reforçando a ideia de que a beleza é sinônimo de ter uma pele clara. Da mesma forma, modelos de pele mais clara costumam desfilar nas passarelas. Se o mundo da moda não reconhecer e valorizar a diversidade de tons de pele e formas de corpo, aumentará o sentimento de inadequação entre pessoas de pele mais escura ou fora do padrão corporal.
Os impactos psicológicos causados pelo colorismo são enormes. As pessoas discriminadas podem sofrer com baixa autoestima, sentimentos de inadequação e vergonha de sua aparência. A busca por um padrão estético eurocêntrico e inatingível pode levar homens e mulheres a distúrbios alimentares, ansiedade e depressão.
Além disso, como retratado no livro A menina que nasceu sem cor, de Midria Pereira da Silva, a internalização de mensagens negativas ou sexualizadas sobre a cor da pele pode afetar a construção da identidade e a autoaceitação.
O colorismo afeta as dinâmicas de relacionamento e as interações sociais entre pessoas negras que têm diferentes tons de pele. Os estereótipos associados a cada tom de pele atuam como fator de fragmentação da identidade da população negra, causando divisões e conflitos. As pessoas negras de pele mais clara muitas vezes são priorizadas em termos de aceitação social e afetividade, enquanto as de pele mais escura enfrentam maior rejeição e exclusão.
O colorismo pode levar ao distanciamento entre pessoas do mesmo grupo racial e dificultar a construção de uma comunidade negra unida na luta antirracista. Essa divisão tem um impacto significativo para o feminismo negro. O colorismo também contribui para a idealização e busca de parceiros com tons de pele mais claros, reforçando novamente a ideia de que a beleza está diretamente ligada ao padrão europeu, o que favorece a ideia de embranquecimento gradual da população.
A representatividade na mídia e nas indústrias do entretenimento tem papel fundamental no combate ao colorismo. A ausência de protagonistas de pele escura em papéis positivos, ou na bancada dos telejornais, reforça a ideia de que a beleza e o sucesso estão intrinsecamente ligados à pele mais clara. Sem a visibilidade da diversidade de tons de pele, as pessoas negras de pele retinta crescem num ciclo vicioso onde há cada vez menos modelos positivos para se identificarem e se inspirarem.
Fontes
BACELAR, Gabriela. (Contra)mestiçagem negra: pele clara, anti-colorismo e comissões de heteroidentificação racial. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Salvador, 2021.
RIBEIRO, Djamila. Pequeno Manual Antirracista. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.