A crise dos refugiados tem como uma das causas o aumento dos fluxos migratórios, fenômenos que acompanham a humanidade desde os seus primórdios e cujos motivos podem ser os mais diversos, embora o mais comum seja a busca por melhores condições de vida, ou seja, migração econômica.
Todavia, há um tipo específico de migrante, o refugiado, este se vê obrigado a fugir de seu país por sofrer perseguição de qualquer natureza e temer por sua integridade física e pela própria vida. Conflitos armados e guerras têm provocado o deslocamento em massa de refugiados ao redor do mundo, principalmente de 2015 em diante.
Embora inicialmente se desloquem no limite das fronteiras de seu país, em situações dramáticas faz-se necessário buscar asilo em países vizinhos e, por vezes, em países distantes. Esse tipo específico de migrante, reconhecido na década de 1950, tornou-se protagonista na agenda de países e organismos internacionais nos últimos anos, quando houve um ingresso em massa dele no continente europeu.
Migrantes e refugiados
Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), refugiado é aquele que foge de sua terra natal por conta de perseguição ou de conflitos armados. Fazer parte desse grupo confere o direito firmado em legislação internacional de receber assistência do ACNUR, de Estados e de organizações especializadas.
O ACNUR foi criado em 1950, sua primeira missão foi assistir aos refugiados europeus remanescentes da Segunda Guerra Mundial. Alguns campos de refugiados criados em meados do século passado ainda existem e estão ativos, como um campo localizado na Zâmbia, de 1966, que inicialmente abrigava refugiados da guerra civil angolana e, em 2020, passou a acolher congoleses que fogem dos conflitos protagonizados por milícias armadas que assolam seu país politicamente instável.
O Estatuto dos Refugiados, adotado pela Convenção das Nações Unidas em 1951, prevê que um refugiado não pode ser expulso de um país ou devolvido ao seu país em situações que coloquem em risco sua vida e liberdade.
Qual a diferença entre refugiado e migrante? O migrante muda-se para outro país por escolha pessoal, e não por sofrer ameaça direta, sua intenção é melhorar de vida e não fugir de perigos iminentes. Mesmo que se trate de migrantes em situação de extrema pobreza, eles não são definidos como refugiados, o status de refugiado está estreitamente ligado a situações de violência. Portanto, os migrantes não são contemplados pela mesma lei que os refugiados, cada país trata-os conforme sua legislação específica, e não há restrição para devolvê-los aos países de origem.
Geralmente, o itinerário de um refugiado dá-se da seguinte maneira: primeiro, ele se desloca internamente dentro de seu próprio país em busca de proteção, nessa circunstância é convencionalmente denominado “deslocado interno”. Quando a insegurança generalizada impele-o a cruzar as fronteiras, para que sua condição de refugiado seja reconhecida oficialmente, ele precisa solicitar asilo ao país em que se abrigou, situação em que é chamando de “solicitante de asilo”, e nem sempre o pedido de asilo é atendido.
Conforme a Organização das Nações Unidas (ONU), em 2019 havia cerca de 68 milhões de refugiados no mundo. Desses 40 milhões em média eram deslocados internos, 25 milhões eram refugiados e três milhões eram solicitantes de asilo. Note que a quantidade de deslocados internos é significativamente maior que a de refugiados, isso reforça a tese defendida por especialistas de que fugir do próprio país é o último recurso daqueles que vivem em situações de conflito, é uma atitude dramática, pois requer afastar-se de laços culturais e consanguíneos e viver com direitos restringidos.
Muitos refugiados têm a intenção de voltar aos seus locais de origem após o fim dos conflitos, porém a média global de tempo vivido na condição de refugiado é de 26 anos.
Refugiados na Europa
O pico histórico da chegada de migrantes à Europa foi em 2015, quando cerca de um milhão de pessoas adentraram em território europeu. Embora intensificado por levas de sírios que fugiam da guerra em seu país, também havia muitos migrantes fugindo da fome e da pobreza, sobretudo de países africanos.
Esse fluxo migratório arrefeceu-se nos anos posteriores por conta de medidas adotadas pelos países do bloco europeu, tais como o fechamento de fronteiras, especialmente na rota dos Bálcãs, por onde migrantes iam a pé; o acordo entre a Itália e a Guarda Costeira da Líbia, país que era o principal ponto de embarque em viagens clandestinas à Europa; e o acordo controverso e criticado firmado em 2016 entre a União Europeia e a Turquia, pelo qual para cada refugiado sírio que chegasse ao litoral grego e fosse devolvido à Turquia, outro refugiado que estivesse em território turco seria levado à Europa.
Esse acordo é criticado por defensores de Direitos Humanos, que alegam ser ferida a legislação internacional de não rejeitar solicitantes de asilo. O efeito dessas medidas fez com que, em 2018, o número de refugiados e migrantes ingressando na Europa fosse inferior a 200 mil.
Principais rotas dos refugiados
Crises de refugiados constituem um fenômeno antigo. Na mais recente crise de refugiados, sentida especialmente a partir de 2015 por conta da guerra civil que aterroriza a Síria, as rotas foram diferentes de crises anteriores, posto que a conjuntura geográfica onde se desenrola o conflito que motiva a crise é determinante para a formação de itinerários de fuga.
O comum é que inicialmente os refugiados desloquem-se dentro de seu próprio território e, quando isso não é mais possível, cruzem as fronteiras para os países vizinhos. Os refugiados sírios, por exemplo, não foram diretamente para a Europa quando a crise intensificou-se, mas para os países mais próximos, como Jordânia, Líbano e Turquia, sendo que, neste último, em 2019, havia cerca de 3,3 milhões de refugiados sírios.
Isso representa, aproximadamente, metade do total de refugiados sírios ao redor do mundo. Essa tendência de procurar asilo nos países fronteiriços ao seu país de origem é um dos principais motivos para que 85% dos deslocados estejam abrigados em países em desenvolvimento, segundo o ACNUR.
O país com maior número de refugiados no mundo, em 2018, era a Turquia, com 3,3 milhões; em segundo lugar, estão Uganda e Paquistão, com 1,4 milhão de refugiados cada; e, em terceiro lugar, o Líbano, com 1 milhão aproximadamente. Para efeito de comparação, a Itália, nesse mesmo ano, tinha em média 150 mil refugiados e 180 mil solicitantes de asilo, o que representa um terço do total de refugiados do Líbano.
A partir de 2015, um fluxo intensificado de migrantes tentou entrar na Europa. Muitos iam para a Líbia, país ao norte da África, onde contrabandistas organizavam a viagem em embarcações precárias que realizavam travessias perigosas e, não raro, mortíferas pelo Mar Mediterrâneo, tendo como porta de entrada para o continente países como Grécia e Itália. Segundo a ONU, em 2016, mais de cinco mil pessoas morreram durante travessias no Mediterrâneo.
As travessias são divididas em três caminhos: rota do Mediterrâneo central, parte da Líbia para a costa italiana (Ilha de Lampedusa); rota do Mediterrâneo ocidental, parte do Marrocos, Tunísia e Argélia para a costa espanhola; rota do Mediterrâneo oriental, parte da Turquia para a costa grega. Outro caminho comumente utilizado é a rota dos Bálcãs, menos perigosa porque pode ser terrestre. Essas incursões têm diminuído em razão de medidas tomadas pelos países europeus.
Causas da crise dos refugiados
Crises humanitárias movidas por migração em massa são um fenômeno milenar. Por toda a história humana, houve situações em que populações tiveram que fugir de perseguições, fome e guerras. No entanto, conforme legislação internacional, o status de refugiado está condicionado à migração motivada por situações de conflito violento, como perseguição a uma etnia específica, conflitos armados localizados ou guerra civil.
Portanto, as causas de uma crise de refugiados estão relacionadas à violência, insegurança e ameaça à vida. As crises motivadas por pobreza e fome são crises migratórias. Uma crise de refugiados só pode ser assim definida se a causa for perseguição ou guerra. Portanto, toda crise de refugiados é uma crise migratória, mas nem toda crise migratória é uma crise de refugiados.
Além da definição de refugiados como fugitivos de guerra e conflitos armados, nos últimos anos têm-se discutido a emergência de uma nova categoria, os “refugiados climáticos”, referente às pessoas que fogem de seus países por conta de catástrofes naturais resultantes das mudanças climáticas. Essa categoria, embora esteja ganhando cada vez mais espaço no debate público, não é reconhecida pela ONU nem por outras organizações internacionais.
Conforme dados apresentados por O Globo |1|, em 2019 mais da metade dos refugiados no mundo (57%) era oriunda de três países: Síria (6,3 milhões), Afeganistão (2,6 milhões) e Sudão do Sul (2,4 milhões), três países em guerra civil, o primeiro desde 2011 até o presente, o segundo desse 1978 até o presente, e o terceiro desde 2013 até fevereiro de 2020.
A guerra civil vivida na Síria causou, a partir de 2015, a maior crise migratória desde a Segunda Guerra Mundial. Outros países que também vivem graves conflitos que obrigam seus patrícios a fugirem são: Eritréia, República Centro Africana, Iraque, Somália, República Democrática do Congo, Burundi e Nigéria.
Refugiados no Brasil
No Brasil, em 2019, havia cerca de um milhão de estrangeiros residentes. Isso corresponde a menos de 0,5% da população brasileira. Na última década, três ondas migratórias foram sobressalentes no país: a partir de 2010, a dos haitianos; a partir de 2015, a dos sírios; e a partir de 2018, a dos venezuelanos. Cerca de 11 mil estrangeiros eram reconhecidos pelo status de refugiado e havia 161.057 solicitações de reconhecimento. Conforme a pesquisa “Refúgio em números” |2|, dos refugiados reconhecidos, 36% eram sírios, 15% eram congoleses, 9% eram angolanos, 7% eram colombianos, e 3% eram venezuelanos.
Mesmo sendo o maior e mais populoso país da América do Sul, o Brasil tem um fluxo migratório pequeno se comparado a outros países. Quando analisamos, por exemplo, a migração de venezuelanos que, principalmente a partir de 2018, intensificou-se no estado de Roraima, percebemos que, comparado a outros países vizinhos, o Brasil, naquele ano, recebeu cerca de 455 mil venezuelanos, menos que o Peru (506 mil) e a Colômbia (1,1 milhão).
É sempre importante frisar que há uma diferença entre o migrante econômico e o refugiado, o primeiro foge da fome e pobreza, busca melhores oportunidades de vida, o segundo foge de perseguição de qualquer natureza, de situações de violência e ameaça à sua integridade física. A legislação brasileira estabelece como critério para reconhecer pedidos de refúgio o medo de voltar para casa. O Comitê Nacional para Refugiados (Conare) é vinculado ao Ministério da Justiça. A lei brasileira de refúgio, Lei 9.474, de 1997, considera como refugiado |3|:
“[…] todo indivíduo que sai do seu país de origem devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas imputadas, ou devido a uma situação de grave e generalizada violação de direitos humanos no seu país de origem.”
De acordo com o Conare, conforme apontado pelo G1|4|, em 2018 as principais razões que motivaram pedidos de refúgio deferidos pelo órgão no Brasil foram: grave e generalizada violação de Direitos Humanos, opinião política, grupo social, religião, nacionalidade e raça. O estado brasileiro que mais registrou pedidos de refúgio no mesmo ano foi Roraima (63%), em razão do colapso na Venezuela. Embora os venezuelanos sejam os que mais apresentaram pedidos de refúgio, o contingente de refugiados venezuelanos oficialmente reconhecidos é o menor (3%) em comparação a outras nacionalidades.
Família síria vende esfirras no Rio de Janeiro após fugir da guerra em seu país natal (2015). [3]
Consequências da crise dos refugiados
O fluxo de pessoas em todo o mundo gera inúmeras consequências, boas e ruins. Em situações normais, as trocas culturais entre povos distintos são imensamente proveitosas, mas, em situações de conflito, a tendência é que as consequências negativas sejam mais enfatizadas.
Em termos políticos, a consequência que se destaca é o crescimento do nacionalismo nos países que recebem grande número de refugiados e migrantes. Partidos ultranacionalistas passaram a ganhar mais cadeiras no parlamento europeu, e alguns alcançaram o governo central em seus países, como Hungria, Ucrânia e Polônia.
Um exemplo significativo dessa tendência deu-se na Itália, cuja promessa de campanha do governo eleito em 2018 era impedir o desembarque de navios clandestinos. A medida drástica de fechar os portos italianos fez com que tanto navios de migrantes e refugiados quanto navios de organizações internacionais de resgate ficassem vários dias à deriva, mesmo com idosos, crianças e pessoas doentes a bordo.
Os temores das populações locais — em perderem o emprego, terem seu acesso a serviços estatais restringido ou redução da qualidade desses serviços e pagarem mais impostos para a rede de proteção governamental atender a estrangeiros — acabam por gerar focos de xenofobia, isto é, aversão a estrangeiros, o que pode resultar não só em manifestações individuais de intolerância e preconceito, mas em organizações de promoção desse tipo de hostilidade, como grupos supremacistas.
Embora um fluxo de pessoas acima do esperado gere, inicialmente, pressão sobre a rede de proteção governamental e sobre o mercado de trabalho, no longo prazo, caso o governo local consiga distribuir esse contingente de pessoas em seu território e integrá-lo por mecanismos formais em seu sistema de seguridade e no sistema econômico, o grupo de migrantes pode representar ganhos econômicos para o país que o acolhe.
Por exemplo, o pesquisador Álvaro Navarro Sotillos|5| constatou que, a partir de 2016, a presença maciça de refugiados sírios na Turquia propiciou a instalação de um número crescente de empresas com capital sírio. Os refugiados têm o potencial de atrair novos mercados para as nações que os recebem. Além disso, em países de populações envelhecidas, a mão de obra jovem representa uma revitalização na economia.
Os efeitos negativos da presença de refugiados, seja na provisão de serviços públicos, seja na demanda de empregos e salários, são subvertidos em longo prazo, pois os refugiados bem instalados têm o potencial de dar retorno a esses países.
Notas
|1| TRAIANO, Heloisa. Enem: entenda a questão dos refugiados para as provas de atualidades e redação. Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/enem-e-vestibular/enem-entenda-questao-dos-refugiados-para-as-provas-de-atualidades-redacao-23993504
|2| REVISTA EXAME. Quem são e de onde vêm os 11 mil refugiados que estão no Brasil. Disponível em: https://exame.com/brasil/quem-sao-e-de-onde-vem-os-11-mil-refugiados-que-estao-no-brasil/
|3| PORTAL CONSULAR. Refúgio no Brasil. Disponível em: http://www.portalconsular.itamaraty.gov.br/refugio-no-brasil#:~:text=A%20Lei%20Brasileira%20de%20Ref%C3%BAgio,direitos%20humanos%20no%20seu%20pa%C3%ADs
|4| G1. Refugiados no Brasil. Disponível em: http://especiais.g1.globo.com/mundo/2019/refugiados-no-brasil/
|5| MACENA, Natalia Elias. OBREGON, Marcelo Fernando Quiroga. Impactos causados pelos refugiados nos países acolhedores. Disponível em: https://www.derechoycambiosocial.com/revista052/IMPACTOS_CAUSADOS_PELOS_REFUGIADOS.pdf