Problema social e problema sociológico

A Sociologia enquanto ciência nasceu no século XIX a partir do pensamento positivista de Augusto Comte, o qual, propondo uma analogia aos métodos empregados em outras ciências como a biologia, a física e a química, tentou construir uma ciência da sociedade. Segundo Comte, para além das leis físicas e biológicas haveria as leis sociais, que regeriam a vida social.

Mais tarde, Emile Durkheim se esforçaria em dar um caráter mais cientificista à Sociologia. Segundo Raymond Aron, a concepção de Sociologia de Durkheim se baseia em uma teoria do fato social, sendo seu objetivo demonstrar que poderia haver uma ciência sociológica que tinha como objeto de estudo os fatos sociais. Para Durkheim, seria preciso observá-los como “coisas”, de forma imparcial e distanciada, assim como quaisquer outros fatos ou fenômenos das demais ciências, aplicando-se para isso um método específico (método este desenvolvido em sua obra). Esse esforço para a institucionalização de uma ciência da vida social (das relações sociais e dos fenômenos que delas resultam) fazia muito sentido naquele contexto se levarmos em consideração os desdobramentos das principais transformações sociais, políticas e econômicas pelas quais passava a Europa.

O desenvolvimento de uma sociedade industrial, de caráter urbano, trazia à tona novos problemas sociais, os quais poderiam ser compreendidos por uma nova ciência. Contudo, embora a Sociologia tenha se pretendido como uma ferramenta de intervenção na sociedade em alguns momentos, ao longo de sua constituição enquanto área de conhecimento, vale ressaltar que ela não tem como maior objetivo solucionar os problemas que afetam a vida em sociedade, mas sim compreendê-los. Obviamente, enquanto ciência, ela pode colaborar na construção de vias alternativas para a resolução de problemas, mas daí a pensarmos nela como ferramenta para solução de tudo é no mínimo um erro. Compreender a lógica de funcionamento dos fenômenos não significa poder intervir necessariamente. Basta fazermos uma alusão à Medicina enquanto área de conhecimento. Quantos médicos devem estudar uma doença como a AIDS? Já sabem como esse mal se manifesta nos seres humanos, suas causas, as características do vírus e efeitos sobre o corpo doente, entre tantas outras coisas. Contudo, ainda não foi descoberto um tratamento visando a cura, mas apenas como tratar o doente de uma forma que sua expectativa de vida possa ser ampliada. Assim, seja a Sociologia, a Medicina, ou qualquer outra ciência, devemos apenas esperar possíveis explicações para os fenômenos em si, suas causas e efeitos (embora não sejam tão claros na sociedade), e não necessariamente a resolução definitiva de algum problema.

Partindo desse ponto, é importante sabermos que há uma diferença entre problemas sociais e problemas sociológicos. Em alguns livros de introdução à Sociologia, como no trabalho de Sebastião Vila Nova, define-se que um problema social tem origem em fatores sociais e tem consequências sociais. Embora a classificação de um problema social possa ser subjetiva (afinal de contas, o que é um problema para nossa cultura pode não ser em outra), dentre as suas características mais gerais podemos dizer que estão o sentimento de indignação e de ameaça à coletividade que podem ser gerados. A indignação estaria ligada ao sentimento de injustiça (do ponto de vista moral) despertado por esse problema social e, da mesma forma, a ideia de ameaça à coletividade estaria vinculada à desestabilização do que Durkheim chamava de solidariedade social, a qual seria responsável pelos laços sociais entre os indivíduos.

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Para exemplificar a primeira característica (da indignação), podemos pensar no trabalho e na prostituição infantil, na fome no Nordeste brasileiro, na condição do trabalhador desempregado, na pobreza que afeta as regiões metropolitanas brasileiras, entre outros assuntos que certamente nos “incomodam” mesmo que não sejamos atingidos diretamente. Já com relação à noção de ameaça à coletividade, podemos pensar na violência urbana, nas crises econômicas que levam ao desemprego, nas guerras entre os países e etnias, nas ações preconceituosas das mais diversas naturezas, enfim, numa série de fatores que afetam a ordem social como um todo.

Já os problemas sociológicos são os objetos de estudo da Sociologia enquanto ciência, a qual se debruça sobre esses para compreender suas características gerais. Como afirmado anteriormente, a Sociologia estuda os fenômenos sociais, sendo eles percebidos como problemas sociais ou não, lançando mão de uma observação sistemática e pormenorizada das organizações e relações sociais. Problemas sociológicos, nas palavras de Sebastião Vila Nova, são questões ou problemas de explicação teórica do que acontece na vida social, isto é, na sociedade, como por exemplo: o casamento, a família, a moda, as festas como o carnaval, o gosto pelo futebol, a religião, as relações de trabalho, a produção cultural, a violência urbana, as questões de gênero, desigualdade social, etc.

A violência urbana, por exemplo, pode ser um problema sociológico, uma vez que pode despertar o interesse dos sociólogos para desvendar os motivos de tal fenômeno social, mas ao mesmo tempo trata-se de um problema social, haja vista afetar toda a coletividade. No entanto, caberia à Sociologia apenas explicá-la, e não necessariamente resolvê-la. Dessa forma, podemos dizer que todo problema social pode ser um problema sociológico, mas nem todo problema sociológico é um problema social.

Paulo Silvino Ribeiro

Colaborador

Bacharel em Ciências Sociais pela UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas

Mestre em Sociologia pela UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”

Doutorando em Sociologia pela UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas

 

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