No Brasil da passagem do século XIX para o XX, a preocupação com a saúde, na verdade, não se traduzia necessariamente pela questão do direito social ou da dignidade humana, mas estava ligada aos interesses econômicos das elites em manter o trabalhador sadio para manutenção da produção, principalmente naquele contexto agrário.
O ideário republicano estava envolto por valores positivistas de ordem e progresso, como se vê na própria bandeira nacional, e dessa forma, a valorização da ciência e de uma visão de mundo europeia pautada na marca da modernidade invadiam o país, ainda que de forma contraditória a uma realidade ainda marcada pelo regime agrário exportador, pelo patriarcalismo, pela tradição de um passado escravocrata. Se é fato que ao final do século XIX iniciou-se, ainda que de forma incipiente, um processo de urbanização e modernização das cidades (como se vê na capital brasileira da época, o Rio de Janeiro), o Brasil se tornou um país urbano apenas na segunda metade do século XX. Neste sentido, o antigo e o moderno buscavam conviver na formação de um novo Brasil, agora republicano. Dentre as novidades estava a ciência como a grande panaceia para um país atrasado, no qual predominava um tipo social representado pela figura ontológica do Jeca Tatu (criado por Monteiro Lobato), estereótipo do homem do campo necessitado por cuidados. Neste sentido, uma sociedade doente, acometida por males tropicais, necessitava ter seu diagnóstico para ser tratada. A medicina teria de se empenhar na luta contra os males da nação, o que justificariam as medidas intervencionistas e autoritárias que marcam os primeiros anos da República Velha. Instaurava-se uma preocupação com a profilaxia rural e urbana. As medidas de reforma urbana e higienização da cidade do Rio de Janeiro, assim como as campanhas para a vacinação da população, marcaram este período. No entanto, o caráter austero das medidas governamentais teve como consequência eventos como a Revolta da Vacina, ocorrida em 1904.
Estava declarada a luta contra a peste bubônica, a febre amarela, a tuberculose e a varíola. A despeito disso, vale apontar como legado da República Velha a criação da Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP; 1897), as Reformas das competências da DGSP (Oswaldo Cruz; 1907) e as Caixas de Aposentadoria e Pensão (Lei Eloy Chaves; 1923), o que significou uma incipiente assistência à saúde pela previdência social. A sociedade ainda era rural, mas iniciava-se um período de transformações sociais que seria acelerado na primeira metade do século XX.
Passado o período da República Velha, chegamos à Era Vargas com a inauguração de outra visão de Estado, assim como com outra configuração social que se iniciava nos centros urbanos do país. A partir da década de 1930, o Brasil começou um processo de industrialização e modernização do Estado, tentando se reposicionar na economia mundial após a crise de 1929. Considerando-se que até então a economia brasileira estava assentada na produção e exportação cafeeira, entendia-se ser necessária a criação de condições para a montagem de um parque industrial que alavancaria o país. Iniciava-se um processo mais tarde chamado por alguns intelectuais de capitalismo tardio. Assim, surgiam novos atores sociais, como o trabalhador urbano, o operário, e, dessa forma, novas demandas sociais se colocavam como desafio ao Estado. Dentre elas a questão da seguridade social. Assim, como aponta Jairnilson Paim (2011, p.14), “o modelo de intervenção do Estado brasileiro na área social data das décadas de 1920 e 1930, quando os direitos civis e sociais foram vinculados à posição do indivíduo no mercado de trabalho”.
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O fato é que, como se pode observar, os modelos assistenciais se tornaram cada vez mais complexos, concomitantemente à modernização do Estado do ponto de vista da natureza administrativa e burocrática. Com mão de ferro e de forma populista, Getúlio Vargas inaugurou uma nova era de modernização da produção nacional e da racionalização do funcionamento do Estado, aproximando-se cada vez mais das classes trabalhadoras urbanas com seus discursos (que se iniciavam com o bordão “Trabalhadores do Brasil”) a favor dos direitos desta categoria. Em seu governo, muitos dos direitos ligados à seguridade social foram instituídos, ao passo que também se aprimoraram as ações de Estado acerca da saúde pública.
Assim, na Era Vargas ocorreram os seguintes fatos: a Saúde pública foi institucionalizada pelo Ministério da Educação e Saúde Pública; a Previdência social e saúde ocupacional institucionalizada pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio; criou-se os Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAP) que estendem a previdência social à maior parte dos trabalhadores urbanos (1933-38).
No entanto, embora esses avanços tenham sido importantíssimos do ponto de vista da proteção social e da saúde publica, foi apenas em 1953 que ocorreu a criação do Ministério da Saúde. Daí até a criação do SUS (Sistema Único de Saúde), a população brasileira esperou mais 35 anos. Ainda hoje, a despeito dos avanços do ponto de vista do cuidado e do atendimento da saúde pelo SUS, muitos são os desafios a serem enfrentados pelo Estado brasileiro.
Paulo Silvino Ribeiro
Colaborador
Bacharel em Ciências Sociais pela UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
Mestre em Sociologia pela UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
Doutorando em Sociologia pela UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas