A história política do Brasil é marcada por um artificialismo de valores e instituições que desconfiguraram o espaço político, aspecto fundamental para a participação da sociedade civil. Tal artificialismo começou no Império e sua hipertrofia conduziria mais tarde ao advento da República no momento em que ficaria clara a maneira arbitrária e centralizadora com a qual o Imperador governava (através de mecanismos como o Poder Moderador), bem como a inexistência de partidos políticos com posições claras e definidas. Solícita por maior participação das decisões, a aristocracia cafeeira defenderia o princípio democrático no sentido de promover a descentralização do poder em contraposição à centralização nas mãos do Imperador.
Esse quadro, no entanto, embora tenha embocado na República, não surtiu maiores mudanças, a não ser o maior fortalecimento das elites cafeeiras de São Paulo e do Rio de Janeiro. Ângela de Castro Gomes, em História da Vida Privada do Brasil (1998), afirma que nos primórdios do Período Republicano o que se assistia era a luta entre o caudilhismo (ou coronelismo), moldado no ambiente rural e expresso pelo poder local, e o cesarismo, o qual significava a autoridade pública central, cesarismo este pautado certamente sobre ideais europeus “importados”.
A promoção das práticas políticas sobre a égide do poder privado desconfigurou ao mesmo tempo os mecanismos políticos do debate das ideias, tornando-se um anátema no seio de um Estado Republicano que tentava fazer frente a um liberalismo “mal copiado” das correntes positivistas e liberais da Europa no final do século XIX. Inviabilizou-se, dessa forma, a construção de um espaço político capaz de promover seu último e maior objetivo: os debates entre os diferentes atores e classes sociais com a promoção das deliberações alcançadas de forma democrática e discutidas em situação de igualdade entre as representações legítimas da sociedade e de seus grupos. No momento em que as elites oligárquicas excluem a massa (integral ou parcialmente) da efetiva participação política (e que essa, diga-se de passagem, esteja acomodada em seu ruralismo), guia-se a administração do Estado e a política nacional para a “irracionalidade” (ao que parece) da tutela do povo e ao privatismo, remetendo até mesmo a um sentimento de não necessidade da presença do Estado. Em outras palavras, no Brasil, essa mesclagem entre o público e o privado, isto é, essa extensão do interesse individual (ou de um grupo) dentro do espaço que deveria ser público, desembocou num quadro completamente alheio ao da definição teórica de espaço político, que podemos encontrar no Dicionário de Política, organizado por pensadores como Norberto Bobbio.
Do Brasil Imperial, passando pela República Velha e pelos anos Vargas, e até em certa medida ainda nos dias atuais, fica clara a ideia das consequências dadas pela sobreposição entre o público e o privado, a mistura de ambos, dificultando a emancipação real da sociedade civil, bem como no que diz respeito ao desenvolvimento do que podemos compreender como prática da cidadania. Em boa medida, na sociedade brasileira prevaleceu o anseio das elites, e este determinismo da esfera privada atrofiou a construção de um espaço político eficaz para um país dito democrático. Isso fica evidente tanto pela falta de interesse por política da maioria das pessoas comuns, como pelos constantes escândalos de corrupção daqueles que usam da coisa pública para interesse particular.
Assim, na fala de Nestor Duarte em sua obra intitulada A Ordem Privada e a Organização Política Nacional (1939), todo interesse, como sentimento privado, que interfira na esfera política é hostil à ordem e à participação civil. “Começa então o grande conflito do nosso processo político. Uma realidade infensa que a ele se submete, também o perverte. Ou o reduz e simplifica” (DUARTE, 1939, p. 241).