O racismo é uma forma de preconceito e discriminação baseada num termo controverso, que sociologicamente é revisto e do qual a genética também inicia uma revisão: a raça. No século XIX, compreendia-se que a cor da pele e a origem geográfica de indivíduos promoviam uma diferenciação de raças.
Misturando-se cultura e aspectos físicos, os primeiros antropólogos estabeleceram uma hierarquia das raças, o que, por vezes, reforçava a dominação de povos brancos europeus sobre populações de outras etnias não europeias.
O racismo é um mal que afeta a vida de muitas pessoas e, como uma relação de entendimento ultrapassada e errada, deve ser superado.
Tópicos deste artigo
Racismo e preconceito
Existem diferenças conceituais entre os termos racismo e preconceito. O preconceito, na raiz da palavra, é a formulação de um conceito sobre algo sem antes o conhecer. O preconceito, por exemplo, pode ser julgar que um alimento é ruim por seu aspecto físico. Trazendo para as relações sociais, o preconceito consiste no prejulgamento de algo sem, de fato, conhecê-lo.
Nas relações sociais, o preconceito pode acontecer por conta da sexualidade (prejulgar uma pessoa homossexual); do gênero (julgar uma mulher como inferior a um homem, ou uma pessoa transgênero); da condição física (julgar uma pessoa deficiente ou de baixa estatura, por exemplo, como incapaz); e da raça (cor da pele).
Quando o preconceito é motivado pela cor da pele de uma pessoa, chamamo-lo de racismo. O racismo é, portanto, uma forma de preconceito cruel que ainda atinge uma grande parcela da população mundial. É importante frisar que não existem grandes diferenças genéticas entre pessoas de etnias diferentes|1|, e, mesmo que essa diferença existisse, isso não seria motivo suficiente para justificar o preconceito racial.
Nas formas mais agudas, o preconceito racial pode servir de pretexto para motivar agressões físicas ou verbais, além de causar dano moral e até perseguições e prisões injustas de pessoas, principalmente de negros.
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Origem e causas do racismo
Podemos encontrar as origens mais remotas do racismo na história da humanidade e na antropologia. A Europa teve um desenvolvimento cultural bem diferente do de outros continentes. Os povos europeus dominaram a navegação e iniciaram, ainda no século XV, um movimento de expansão marítima que os levou a outros continentes. O contato de europeus com asiáticos e africanos já existia, e o modo de enxergar outros povos não brancos e de cultura não europeia como inferiores, também.
A chegada dos europeus ao continente americano resultou num modo de enxergar aqueles diferentes deles e totalmente desprovidos de traços culturais brancos, que os europeus consideravam como civilizatórios. Tal cenário serviu para que eles se apropriassem do território americano e tentassem aculturar os seus nativos, empurrando-lhes a sua língua e a sua cultura. O continente americano virou uma verdadeira empresa europeia.
Como se não bastasse, os europeus iniciaram um processo de captura de africanos para que trabalhassem como escravos em sua nova empresa. O processo de escravização estava embasado em uma ideologia de hierarquia das raças, ainda no nível de consciência coletiva, que fez com que milhões de africanos fossem capturados e submetidos ao trabalho escravo.
Nesse movimento, também havia uma ideia inconsciente de que os nativos das Américas e, mais tarde, os da Oceania e do Leste Asiático fossem inferiores. Ao enxergar outros povos como inferiores, os europeus viam-lhes como animais ou até como objetos.
Esse primeiro movimento de investida da Europa sobre outras terras ficou conhecido como colonialismo. Para justificar a dominação, os europeus utilizavam a concepção de que os povos pagãos viviam no pecado e precisavam da religião europeia para desenvolverem-se espiritualmente.
No século XIX, a Europa iniciou um segundo movimento de investida sobre outros continentes chamado de neocolonialismo. Nesse período, as ciências da natureza e as ciências sociais desenvolviam-se a todo vapor.
A mentalidade religiosa de dois ou três séculos antes já não era suficiente para justificar uma empreitada tão grande como a partilha de terras africanas e asiáticas entre os europeus. Com isso, a antropologia surge como uma ciência capaz de fornecer um aparato intelectual que justificasse a dominação cultural e territorial dos povos habitantes dos novos territórios por parte dos europeus.
As primeiras teorias antropológicas, desenvolvidas pelo filósofo, biólogo e antropólogo inglês Herbert Spencer e pelo antropólogo e geógrafo inglês Edward Burnett Tylor, coadunavam com o domínio europeu sobre novos povos. Os antropólogos mencionados criaram uma teoria inspirada na biologia de Charles Darwin e aplicada sobre os povos. Mais tarde, essa teoria ficou conhecida como evolucionismo social ou darwinismo social. Eles acreditavam que havia um desenvolvimento étnico entre os povos, e esse desenvolvimento poderia ser observado pela cultura.
Na visão dos teóricos, havia uma cultura superior e culturas inferiores. Com isso, eles constataram que havia também uma hierarquia das raças, que poderia ser observada pela cultura de cada raça. Dessa maneira, com uma visão etnocentrista e eurocentrista, eles consideraram a cultura e a raça europeia como superiores. Em seguida, na escala de hierarquia, viriam a cultura e a raça dos orientais; em terceiro lugar, estariam os indígenas americanos; e, por último, os negros africanos.
Essa teoria pseudocientífica foi utilizada, por décadas, para justificar o domínio de brancos sobre outros territórios e populações. Além disso, ela deixou como resquício o racismo que perdura em nossa sociedade até os dias de hoje.
Racismo no Brasil
Apesar de a abolição da escravatura ter ocorrido em 1888 (período relativamente tardio se considerarmos que o mesmo, nos vizinhos latino-americanos, aconteceu antes de 1860; nos Estados Unidos, em 1865; e na Inglaterra, em 1834), o racismo perdura como martírio para a população negra até hoje. A abolição aqui e em outros lugares não foi planejada. Não houve um plano de orientação, acolhida e instrução dos escravos recém-libertos.
A falta de uma atenção à população negra, que, de repente, via-se, em sua grande maioria, sem moradia e alimento, resultou na sua marginalização. Vale ressaltar que a Lei Áurea, que entrou em vigor em 13 de maio de 1888, não garantiu que todos os escravos fossem, na prática, libertos. Muitos escravos, sem opções ou até mesmo sem informações sobre a sua condição de libertos, ficaram submetidos à escravidão no Brasil mesmo após a abolição.
O estigma da escravidão unido à marginalização daquelas pessoas que, sem ter o que comer e onde morar, foram viver nos morros, nos guetos e recorrer, muitas vezes, ao crime para sobreviver, resultou na situação de exclusão que leva ao racismo nos dias atuais.
Um dos maiores sociólogos do Brasil, Florestan Fernandes, realizou estudos sobre a inserção do negro na sociedade de classes no Brasil. Segundo Fernandes, a população negra encontrava-se, ainda na década de 1970, submetida à exclusão iniciada após a abolição. O capitalismo brasileiro não havia inserido a população negra nas classes sociais, sobrando para ela apenas os espaços subalternos. Isso pode ser verificado pelos dados que perduram em nosso país até os dias atuais.
Os dados listados a seguir, tirados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)|2|, revelam o abismo social existente entre negros e brancos em nosso país:
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Enquanto brancos ganham, em média, R$ 2814 mensais, pardos ganham R$ 1606, e negros ganham R$ 1570, segundo a PNAD de 2017.
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Segundo a PNAD de 2018, a taxa de desemprego entre negros e pardos (14,6% e 13,8%, respectivamente) era maior que a taxa de desemprego geral (11,9%).
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Dados da PNAD de 2015 apontam que negros e pardos representam 54% da população brasileira. No entanto, eles representam 75% do grupo de 10% da população mais pobre e 17,8% do grupo de 1% da população mais rica.
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Entre pretos e pardos, a taxa de analfabetismo gira em torno de 9,9%, enquanto o analfabetismo entre brancos gira em torno de 4,2%.
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22,9% dos brancos com mais de 25 anos têm diploma de ensino superior; entre os pretos e pardos, esse dado está em 9,3%.
Racismo estrutural
Todos os dados apresentados no tópico anterior evidenciam a diferença racial no Brasil. Pretos, pardos e indígenas são excluídos da participação efetiva em espaços públicos. Esse fato mostra-nos uma primeira pista para o entendimento do racismo estrutural. Longe de ser aquele racismo explícito, evidenciado em falas preconceituosas e até em atitudes agressivas, o racismo estrutural é aquele que está sutilmente inserido em nosso cotidiano.
O racismo estrutural mantém uma linha tênue e, muitas vezes, de difícil percepção entre negros e brancos. Ele exclui, mas não se mostra como excludente. O racismo estrutural está tão preso às estruturas de nossa sociedade que passa desapercebido pela maioria das pessoas.
Para além dos dados, que evidenciam a diferença social entre negros e brancos (e isso faz parte do racismo estrutural), temos outros fatores que devem ser expostos para que esse fenômeno seja compreendido. A nossa sociedade como um todo considera a negritude como algo inferior. O padrão de beleza pregado pela mídia é um padrão branco.
Há uma normatividade de traços brancos que definem o homem branco e a mulher branca como bonitos e exclui as características físicas de pessoas negras do padrão de beleza: os olhos azuis, o nariz fino e o cabelo liso. Aliás, o cabelo crespo, característica fenotípica de pessoas negras, é considerado “ruim”.
Linguisticamente, o racismo estrutural também marca sua presença. Marca mais simbólica e menos perceptível ainda está nos eufemismos utilizados para referir-se a pessoas negras, da pele preta. Ao invés de referir-se a elas como negras ou pretas, há um impulso popular por utilizar outras palavras, como “moreno” ou “pessoa de cor”. Esse recurso, na língua portuguesa, é chamado de eufemismo.
O eufemismo é utilizado para suavizar um adjetivo pejorativo ou agressivo, a fim de torná-lo mais socialmente aceito. Se há a utilização de eufemismos para referir-se a pessoas negras, isso significa que a negritude é considerada algo inferior, ruim ou agressivo, o que é mais um sinal e racismo estrutural.
Notas
|1| Confira aqui a matéria do periódico El País sobre o assunto.
|2| Os dados colhidos em matéria da revista Exame podem ser conferidos aqui.
Créditos das imagens
[2] Christopher Penler / Shutterstock