A lenda do negrinho do pastoreio é uma das mais populares do folclore do Rio Grande do Sul, e sua origem recebeu influência da cultura africana e da religião católica. Na lenda, um menino escravizado e órfão é severamente punido por seu senhor, ficando muito machucado e abandonado sobre um formigueiro. Tempos depois o patrão volta ao local onde abandonou o corpo e encontra o menino, sem qualquer ferimento, sobre um cavalo e com a Virgem Maria ao seu lado. O patrão se arrepende das violências praticadas, e o menino passa a perambular, montado em um cavalo, por campos e estradas riograndenses.
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Resumo sobre o negrinho do pastoreio
- Negrinho do pastoreio é um dos principais personagens do folclore do Rio Grande do Sul.
- Como se trata de uma lenda, existem diversas versões, mas em todas elas se trata de um jovem escravizado que é castigado por seu proprietário.
- A lenda está fortemente relacionada à pecuária, atividade econômica principal do Rio Grande do Sul no século XIX.
- Alguns membros do movimento abolicionista utilizavam a narrativa para ilustrar os horrores da escravidão.
- Ainda hoje, em áreas rurais do Sul do Brasil, pessoas acendem velas e rezam para o negrinho do pastoreio.
O que diz a lenda do negrinho do pastoreiro?
A lenda conta que o negrinho do pastoreio era órfão, não tinha padrinhos e não recebeu um nome, sendo chamado pelo seu malvado proprietário, um estancieiro gaúcho, apenas como “negrinho”. O menino afirmava que a Virgem Maria era sua madrinha, e sempre acendia velas e rezava para ela.
Um dia ele apostou uma corrida de cavalo com o escravizado de outro estancieiro e acabou perdendo. Como punição, seu senhor ordenou que ele cuidasse de alguns cavalos. O menino, extremamente cansado, acabou pegando no sono, e um cavalo baio, o preferido do patrão, acabou fugindo. Em outras versões, é o filho do patrão, tão maldoso quanto o pai, que abre a porteira e deixa o cavalo fugir para prejudicar o negrinho do pastoreio.
Ao saber da perda do animal, o patrão chicoteou o menino e ordenou que este fosse à floresta procurar o cavalo. Negrinho do pastoreio acendeu uma vela para Nossa Senhora e partiu para a floresta, encontrando o cavalo, mas não conseguiu amarrá-lo e levá-lo para o patrão. Este, enfurecido por não ter o cavalo recuperado, chicoteou e espancou o menino, deixando-o gravemente ferido e jogando seu corpo imóvel sobre um formigueiro, esperando que as formigas o devorassem.
Tempos depois (em algumas versões da lenda, após um dia, e, em outras, após três dias), o fazendeiro retornou ao local onde havia jogado o corpo, esperando encontrar boa parte dele já devorado pelas formigas. Ao chegar lá, no entanto, o fazendeiro encontrou o menino sobre o cavalo baio, com seu corpo intacto e com Nossa Senhora ao lado dele. O fazendeiro se arrependeu dos seus pecados e se ajoelhou pedindo perdão à Virgem Maria e ao menino.
O negrinho do pastoreio passou a cavalgar pelos sertões e estradas do país e a ser considerado uma espécie de santo das causas perdidas. Quando uma pessoa perde algo, deve acender uma vela próximo de um formigueiro, que o negrinho do pastoreio ajudará na procura. Em algumas versões da lenda, ele exige como pagamento uma vela, que deve ser acesa para Nossa Senhora.
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Origem da lenda do negrinho do pastoreiro
A lenda se originou provavelmente na metade do século XIX. Nessa época, a economia do Rio Grande do Sul girava em torno da pecuária, e os donos das fazendas eram chamados de estancieiros. A escravidão vigorava no Brasil e os primeiros movimentos pela abolição se iniciavam.
O primeiro relato sobre a lenda do negrinho do pastoreio foi feito pelo cônsul português no Brasil, Antônio Maria do Amaral Ribeiro, em 1857. Em seu Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiras, ele afirma que, quando esteve na província do Rio Grande do Sul, ouviu certa superstição da população local. Segundo ele, era comum ver algumas velas acesas em lugares inóspitos, e elas eram acesas por escravizados que pediam a uma entidade que ela acalmasse seus senhores.
A lenda possui muitos elementos presentes na sociedade rio-grandense do século XIX: a forte influência da pecuária na economia e vida social da região, a escravidão, a violência com a qual os escravizados eram tratados, e a forte religiosidade católica. Na década de 1880, a lenda foi muito utilizada por membros do movimento abolicionista para mostrar a violência que os escravizados sofriam, tão comum que se manifestava até mesmo na cultura popular.
A lenda também desconstrói uma versão historiográfica que defende que existiu no Sul uma espécie de “democracia pastoril”, na qual supostamente existiram poucos escravizados e que estes eram bem tratados pelos estancieiros da região.
Canção do negrinho do pastoreiro
Acendo esta vela pra ti.
E peço que me devolvas,
A querência que perdi.
Negrinho do pastoreio,
Traze a mim o meu rincão.
Eu te acendo esta vela,
Nela está meu coração.
Quero ver meu lindo pago.
Coloreado de pitanga.
Quero ver a gauchinha,
A brincar n’água da sanga.
Quero trotear pelas coxilhas,
Respirando a liberdade,
Que eu perdi naquele dia.
Que me embretei na cidade.
Negrinho do pastoreio,
Acendo esta vela pra ti
E peço que me devolvas
A querência que perdi.
Negrinho do pastoreio,
Traze a mim o meu rincão.
E aquecendo a tradição.
Curiosidades sobre o negrinho do pastoreiro
- No Palácio do Piratini, a sede do governo estadual do Rio Grande do Sul e residência oficial do governador desse estado, possui um salão principal com o nome Salão Negrinho do Pastoreio. Ele é decorado com 18 obras produzidas por Aldo Locatelli que retratam a lenda. Você pode visitar virtualmente essas obras por meio do Google Arts and Culture.
- Em 1973, foi laçado um filme sobre a lenda do negrinho do pastoreio. O filme contou com grande elenco, composto por Grande Otelo, Breno Mello e Darcy Fagundes, e foi dirigido por Nico Fagundes.
- A lenda do negrinho do pastoreio, ainda no século XIX, extrapolou as fronteiras do Rio Grande do Sul, sendo contada nos Pampas da Argentina e do Uruguai, regiões que também tinham na pecuária a principal atividade econômica.
Outras lendas do folclore brasileiro
- Saci-pererê
- Mãe do ouro
- Curupira
- Negrinho do pastoreio
- Boitatá
- Mula sem cabeça
- Caipora
- Cuca
- Matinta perera
- Maria degolada
Fontes
MAGALHÃES, Basílio de. O folclore do Brasil. Edições do Senado Federal, Brasília, 2006.
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