Epopeia: o que é, características, autores, exemplos

A epopeia, também chamada de poesia épica ou heroica, é um gênero literário cuja composição consiste de um poema longo, narrativo, geralmente versando sobre os feitos de um herói, sobre acontecimentos históricos ou míticos, sobre elementos considerados como fundamentais a dada cultura. É um texto que se dedica a expor episódios gloriosos, engrandecer seus personagens principais e registrar para a posteridade suas realizações, dignas de serem lembradas e condecoradas.

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O que é epopeia?

Misturando os gêneros narrativo e lírico, a epopeia traz, em forma de versos, fatos históricos combinados a um pano de fundo mitológico. É o caso de Os Lusíadas, de Camões, por exemplo: o autor narra, em 8.816 versos, a empreitada das Grandes Navegações portuguesas, um acontecimento histórico, ambientadas em meio a recorrentes menções mitológicas, como a ira de Baco, contrário aos lusitanos, e a afeição de Vênus, que lhes inspirou boa sorte na viagem.

A epopeia, no entanto, é um gênero muito mais antigo do que a composição de Camões. Os sumérios, por volta de 2000 a.C., narraram em versos a chamada Epopeia de Gilgamesh, considerada a obra literária mais antiga da humanidade. Entretanto, a epopeia fundamentou-se enquanto gênero literário apenas na Grécia Antiga, com as famosas composições atribuídas ao poeta Homero, intituladas Ilíada e Odisseia.

Trata-se do que os gregos chamaram um gênero de poesia elevada, isto é, um formato específico para a produção de textos destinados a narrar grandes feitos, importantes histórias de uma civilização.

Com a invasão romana e a incorporação da cultura grega na civilização latina, o poeta Virgílio escreveu a Eneida, de modo que a epopeia consolidou-se enquanto forma literária da Antiguidade Clássica, sendo retomada por diversos poetas ao longo dos séculos para produção de textos relacionados à história nacional, a um passado mítico ou lendário.

Características de uma epopeia

• Elementos de uma epopeia

• Há um distanciamento do narrador daquilo que é narrado;

• Presença de ação, isto é, da narração de acontecimentos;

• Encadeamento das ações, que são apresentadas de maneira progressiva;

• Histórias centradas em personagens moralmente elevadas – heróis nacionais cujos feitos os aproximam de deuses, e que remetem a uma coletividade cultural – e narradas em estilo e tom grandioso, sempre em busca da glorificação dos feitos apresentados, dignos de serem lembrados e eternizados, por representarem os valores de uma nação ou grupo;

• Divisão em partes autônomas, organizadas de maneira autossuficiente, uma vez que poderiam existir estrutural e historicamente por si mesmas;

• Presença constante de personagens mitológicas, principalmente da tradição greco-latina.

Estrutura da epopeia

Para ser classificada como epopeia, a obra deve conter as seguintes estruturas:

• Proposição: parte introdutória, em que o poeta apresenta o tema que será cantado;

• Invocação: momento em que o poeta invoca as musas ou deuses, para que lhes deem fôlego e perseverança para narrar com maestria o longo poema;

• Dedicatória: de uso facultativo, é a parte em que o poeta dedica a alguém a epopeia;

• Narração: parte em que o poeta narra, de fato, os grandes acontecimentos praticados pelo protagonista.

Veja mais: Arcadismo no Brasil: estética que usou traços épicos em algumas de suas obras

Exemplos de epopeia

• (aprox. VIII a.C.), de Homero Ilíada

Epopeia que narra um dos episódios da Guerra de Troia. Protagonizada por Aquiles, guerreiro e semideus, que tomado por uma cólera impetuosa, volta-se contra Agamenon, chefe das tropas gregas, causando a morte de seu melhor amigo, Pátroclo, e de inúmeros outros companheiros

Canto I

Canta, ó deusa, a cólera de Aquiles, o Pelida

(mortífera!, que tantas dores trouxe aos Aqueus

e tantas almas valentes de heróis lançou no Hades,

ficando seus corpos como presa para cães e aves

de rapina, enquanto se cumpria a vontade de Zeus),

desde o momento em que primeiro se desentenderam

o Atrida, soberano dos homens, e o divino Aquiles.

Entre eles qual dos deuses provocou o conflito?

Apolo, filho de Leto e de Zeus. Enfurecera-se o deus

contra o rei e por isso espalhara entre o exército

uma doença terrível de que morriam as hostes,

porque o Atrida desconsiderara Crises, seu sacerdote.

Ora este tinha vindo até as naus velozes dos Aqueus

para resgatar a filha, trazendo incontáveis riquezas.

Segurando nas mãos as fitas de Apolo que acerta ao longe

e um cetro dourado, suplicou a todos os Aqueus,

mas em especial aos dois Atridas, condutores de homens:

“Ó Atridas e vós, demais Aqueus de belas cnêmides!

Que vos concedam os deuses, que o Olimpo detêm,

saquear a cidade de Príamo e regressar bem a vossas casas!

Mas libertai a minha filha amada e recebei o resgate,

por respeito para com o filho de Zeus, Apolo que acerta ao longe.”

[…]

(Ilíada)

• Odisseia (aprox. VIII a.C.), de Homero

Centrada no herói Odisseu, também chamado Ulisses, rei de Ítaca, cuja astúcia e inteligência o tornam um homem capaz de grandes feitos. É dele a ideia do Cavalo de Troia, de esconder guerreiros gregos dentro de um enorme cavalo de madeira, oferecido como presente aos troianos. Ulisses passa anos a fio longe de seu reino e é tido como morto; a Odisseia narra as peripécias do herói e sua viagem de volta para casa.

Canto I

Fala-me, Musa, do homem astuto que tanto vagueou,

depois que de Troia destruiu a cidadela sagrada.

Muitos foram os povos cujas cidades observou,

cujos espíritos conheceu; e foram muitos no mar

os sofrimentos por que passou para salvar a vida,

para conseguir o retorno dos companheiros a suas casas.

Mas a eles, embora o quisesse, não logrou salvar.

Não, pereceram devido à sua loucura,

insensatos, que devoraram o gado sagrado de Hipérion,

o Sol — e assim lhes negou o deus o dia do retorno.

Destas coisas fala-nos agora, ó deusa, filha de Zeus.

Nesse tempo, já todos quantos fugiram à morte escarpada

se encontravam em casa, salvos da guerra e do mar.

Só àquele, que tanto desejava regressar à mulher,

Calipso, ninfa divina entre as deusas, retinha

em côncavas grutas, ansiosa que se tornasse seu marido.

Mas quando chegou o ano (depois de passados muitos outros)

no qual decretaram os deuses que ele a Ítaca regressasse,

nem aí, mesmo entre o seu povo, afastou as provações.

E todos os deuses se compadeceram dele,

todos menos Posêidon: e até que sua terra alcançasse,

o deus não domou a ira contra o divino Ulisses.

Mas para longe se afastara Posêidon, para junto dos Etíopes,

desses Etíopes divididos, mais remotos dentre os homens:

uns encontram-se onde nasce, outros onde se põe o Sol.

Para lá se afastara Posêidon, para deles receber

uma hecatombe de carneiros e de touros;

e aí se deleitou no festim. Quanto aos outros deuses,

no palácio de Zeus Olímpico se encontravam reunidos.

E o primeiro a falar foi o pai dos homens e dos deuses.

Pois ao coração lhe vinha a memória do irrepreensível Egisto,

a quem assassinara Orestes, filho de Agamêmnon.

A pensar nele se dirigiu assim aos outros imortais:

“Vede bem como os mortais acusam os deuses!

De nós (dizem) provêm as desgraças, quando são eles,

pela sua loucura, que sofrem mais do que deviam!

Como agora Egisto, além do que lhe era permitido,

do Atrida desposou a mulher, matando Agamêmnon

à sua chegada, sabendo bem da íngreme desgraça —

pois lhe havíamos prevenido ao mandarmos

Hermes, o vigilante Matador de Argos:

que não matasse Agamêmnon nem lhe tirasse a esposa,

pois pela mão de Orestes chegaria a vingança do Atrida,

quando atingisse a idade adulta e saudades da terra sentisse.

Assim lhe falou Hermes; mas seus bons conselhos o espírito

de Egisto não convenceram. Agora pagou tudo de uma vez.”

[…]

(Odisseia)

• Eneida (aprox.19 a.C.), de Virgílio

Epopeia centrada em Enéas (ou Enéias), herói mítico sobrevivente da Guerra de Troia, cujo destino seria a fundação da cidade de Roma. Trata-se, portanto, da narrativa da origem da civilização romana, versando sobre o poder e a expansão do Império.

[…]

(Eneida)

• Os Lusíadas (1592), de Luís Vaz de Camões

Narra os feitos das Grandes Navegações portuguesas inspirado na forma das grandes epopeias homéricas.

Canto I

E também as memórias gloriosas

Daqueles Reis que foram dilatando

A Fé, o Império, e as terras viciosas

De África e de Ásia andaram devastando,

E aqueles que por obras valerosas

Se vão da lei da Morte libertando:

Cantando espalharei por toda parte,

Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

Cessem do sábio Grego e do Troiano

As navegações grandes que fizeram;

Cale-se de Alexandro e de Trajano

A fama das vitórias que tiveram;

Que eu canto o peito ilustre Lusitano,

A quem Neptuno e Marte obedeceram.

Cesse tudo o que a Musa antiga canta,

Que outro valor mais alto se alevanta.

Dai-me húa fúria grande e sonorosa,

E não de agreste avena ou frauta ruda,

Mas de tuba canora e belicosa,

Que o peito acende e a cor ao gesto muda;

Dai-me igual canto aos feitos da famosa

Gente vossa, que a Marte tanto ajuda;

Que se espalhe e se cante no Universo,

Se tão sublime preço cabe em verso.

[…]

(Os Lusíadas)

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