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Desigualdade de gênero: o que é, origem, dados

A desigualdade de gênero é um problema antigo, porém atual. Desde os primórdios da humanidade, a maioria dos povos caminhou para o desenvolvimento de sociedades patriarcais, em que o homem detinha o poder de mando e decisão sobre a família. Esse modelo foi transposto do âmbito familiar privado para o âmbito público, fazendo com que sistemas políticos desenvolvessem-se pelo comando masculino.

Durante muito tempo, a mulher foi excluída da participação efetiva nos espaços públicos, do trabalho fora do âmbito doméstico e da possibilidade de desenvolvimento científico e intelectual por meio da educação formal, além de estarem submetidas (isso ainda ocorre) ao poder de homens de sua família, em geral seus pais e maridos. Isso acarretou num problema que urge por solução: a desigualdade fundamentada pelo gênero.

Leia também: Minorias sociais – parte da população que se encontra excluída do processo de socialização

Tópicos deste artigo

O que é desigualdade de gênero?

Antes de conceituarmos desigualdade de gênero, devemos entender o conceito de gênero. Gênero, dentro da humanidade e nas relações sociais, é descrito como uma classificação de masculinidade e feminilidade. Ao contrário do senso comum, gênero não tem, necessariamente, a ver com sexo biológico. O gênero diz respeito à forma como as relações sociais enquadram em padrões o comportamento esperado de cada sexo.

Sobre esse assunto, a filósofa e escritora francesa contemporânea Simone de Beauvoir diz, no prólogo de seu livro considerado um dos pilares do feminismo do século XX, O segundo sexo, o seguinte:

“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam o feminino.”|1|

Essa citação apresenta uma intensa visão feminista ao mesmo tempo em que conceitua o termo gênero. Gênero é uma espécie de performance do que é ensinado e esperado do comportamento do homem e da mulher na sociedade.

Com essa frase, Beauvoir não quis dizer que qualquer pessoa pode tornar-se mulher, mas que ser mulher em nossa sociedade é um processo de assimilação dos padrões comportamentais, do mesmo modo que ser homem também requer esse tipo de assimilação. Beauvoir ainda diz, na citação, que às mulheres foi relegado o estatuto de uma segunda categoria (fazendo uma analogia com o título do livro), pois ao comportamento da mulher na sociedade é dado todo tipo de restrição, enquanto que ao homem é dado todo tipo de liberdade.

A desigualdade de gênero faz com que as mulheres tenham que lutar para garantir seus direitos.


  • Conceito de desigualdade de gênero

Afinal, o que é desigualdade de gênero? Agora que sabemos que gênero é esse tipo de caracterização social da mulher, partimos para falar sobre a desigualdade. Desde o início da humanidade, o homem utilizou de sua força física para dominar as relações sociais. Esse domínio começou no âmbito familiar privado e estendeu-se ao âmbito público com o passar do tempo. As mulheres ficaram sob o domínio de homens, e os espaços públicos relativos ao comércio, às empresas, à política e às ciências foram dominados quase que exclusivamente por eles até o século XX. Aí está a gênese da desigualdade de gênero.

As órfãs poderiam sofrer todo tipo de abuso por parte de homens, justamente por estarem em uma situação vulnerável, em que elas não tinham um homem para “protegê-las”. Sofrendo abusos, elas ficavam “mal faladas” na sociedade, o que as tirava da lista de possíveis pretendentes para casamento. O destino dessas mulheres era a solidão, o abandono, os recorrentes abusos, a marginalidade social e a prostituição para garantir seu sustento.

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No século XVIII, muita coisa começou a mudar em nossa sociedade. A luta por direitos tornou-se pauta recorrente e os regimes absolutistas começaram a ruir pela luta popular. Também foi no século XVIII que feministas, como Mary Wollstonecraft, começaram a levantar voz contra a injusta situação imposta contra as mulheres. No fim do século XIX e início do século XX, mulheres começaram a organizar-se em uma luta com a finalidade de brigar pelo direito à participação política. Nesse tempo, as mulheres pobres já tinham o direito de trabalhar fora de casa nas sociedades ocidentais.

No século XX, as pautas do movimento feminista voltaram-se, primeiro, para a inserção da mulher de classe média no mercado de trabalho e a conciliação da vida profissional com a vida matrimonial, perpetuando a vertente liberal do feminismo. Muitas conquistas surgiram nesse período, como o sufrágio e os direitos trabalhistas, como a licença maternidade. A partir da década de 1960, o feminismo voltou-se para a libertação sexual feminina, ao mesmo tempo em que mulheres negras conciliavam a luta contra o racismo com o feminismo, surgindo o feminismo negro.

Atualmente, os movimentos feministas ganham voz nas redes sociais, mas a desigualdade persiste. A mulher ainda é tratada de maneira desigual em relação ao homem. Os espaços políticos, acadêmicos e científicos e sociais continuam dominados por homens, que são maioria em número na sua ocupação.

No mundo corporativo, os homens são maioria em cargos de chefia além de ganharem uma média salarial maior para desempenharem a mesma função que as mulheres, apesar dessas buscarem mais estudos e qualificação. A tendência é que a voz dos homens ainda seja mais ouvida que a voz das mulheres, e que elas tenham que se esforçar mais do que eles para terem seus espaços garantidos.

A desigualdade de gênero impõe às mulheres uma dupla jornada que envolve o trabalho e o cuidado da casa e da família.

Há também a desigualdade no lar, pois, em geral, as mulheres que trabalham fora têm de escolher entre dois extremos: ou privam-se de casar-se e terem filhos, para dedicarem-se à sua carreira, ou levam uma exaustiva jornada que inclui trabalhar fora e cuidar de todo o trabalho doméstico e ainda dos filhos.

São poucos os homens que realmente dividem por igual as tarefas domésticas para não sobrecarregar suas companheiras. Há uma forte tendência, não totalizante, mas bem expressiva, que as mulheres homossexuais não sofram tanto com isso, considerando-se que uma relação entre iguais facilita a empatia e promove uma distribuição justa de atividades.

Como a desigualdade de gênero afeta a sociedade?

Qualquer forma de desigualdade afeta a sociedade. Desigualdades sociais, raciais e de gênero afetam profundamente as relações sociais e impedem um traço imperativo das revoluções sociais modernas que prezam pela liberdade, pela igualdade, pela democracia e pela garantia de direitos. Como uma sociedade pode ser democrática se não há tratamento igual entre mulheres e homens? Mais profundo que igualdade é a equidade: como ter uma sociedade democrática sem respeitar-se as singularidades femininas?

Em primeiro lugar, é preciso reconhecer o valor da mulher em nossa sociedade, que tem o mesmo peso e a mesma importância que o do homem. É preciso, acima de tudo, tratar a mulher com respeito e garantir a ela a equidade necessária para o seu pleno desenvolvimento social. Somente assim é possível ter-se uma sociedade amplamente democrática.

Quando uma sociedade privilegia uns e discrimina outros, há uma enorme perda nos aspectos sociais, políticos, intelectuais e econômicos. Imaginem quantos talentos desperdiçados nós perdemos por conta da dificuldade das mulheres em acessarem e manterem-se nos espaços científicos? Imaginem o quanto o mercado perde por não investir em mulheres talentosas, que poderiam desenvolver verdadeiras inovações nesse campo? Imaginem o quanto a sociedade perde por não ter uma quantidade significativa de gestoras e legisladoras que poderiam, quem sabe, promover uma verdadeira mudança política no Brasil?

Dados sobre a desigualdade de gênero

Segundo matéria do site Época Negócios|2|, do grupo Globo, igualdade salarial entre homens e mulheres pode levar 170 anos para ser atingida no mundo. A referida matéria expressou alguns gráficos de institutos de pesquisas mundiais que mostram dados sobre a desigualdade de gênero no mundo em diferentes aspectos. Confira alguns dados a seguir:

• Quanto à desigualdade de gênero no mercado de trabalho, foram analisadas 449 ocupações nos Estados Unidos, e, em 439 delas, mulheres ganham menos que homens. A média no país é de 0,78 centavos de dólar ganho por mulheres para cada dólar ganho por homens. No mundo, essa média fica em 0,50 centavos de dólar para as mulheres para cada dólar remunerado a homens.

• Entre 8% e 18% das mortes maternas ocorridas no mundo são resultados de abortos malsucedidos. Os abortos malsucedidos ocorrem, em sua grande maioria, em locais onde tal ato é considerado uma prática criminosa, o que força as mulheres que não desejam continuar a gestação a procurar clínicas clandestinas. Discussão polêmica, principalmente por tratar-se de um assunto tabu para a moral e as religiões tradicionais, o aborto é um indicativo de direito das mulheres.

• Em levantamento feito em 2007, constatou-se que 121 milhões de crianças e adolescentes estavam fora do ensino escolar regular no mundo. Apesar do alto índice que afeta, sobretudo, países em desenvolvimento, o número de mulheres com acesso à educação básica e superior aumentou expressivamente em relação ao século passado. Também houve um aumento da idade em que ocorrem os casamentos no mundo. O casamento infantil é uma distorção social que, infelizmente, ainda acontece em algumas partes do globo.

• O planejamento familiar, um direito que é retirado de mulheres em algumas religiões e culturas, é um dos indicativos que diz muito sobre a desigualdade de gênero. No Afeganistão, 33% das mulheres querem parar de ter filhos, mas não utilizam métodos contraceptivos seguros. Isso acontece por uma cultura machista que as impede de acessar tais métodos. A média de filhos por mulher no país é de cinco. A média de mulheres que utilizam contracepção no país é de 27%.

Em meio à desigualdade de gênero, as mulheres são tratadas como objetos, tendo seu corpo e sua integridade violados.

• As mulheres trabalham dentro e fora de casa. A mulher italiana média trabalha cerca de 22 horas semanais em afazeres domésticos, o que dariam três jornadas de trabalho no país. Esse trabalho não remunerado geraria uma receita de aproximadamente 10 trilhões de dólares anuais, o que corresponde a 13% do PIB global.

• A licença maternidade remunerada não é um direito garantido em todos os países. A Organização Mundial da Saúde aconselha que seja garantido à mãe seis meses de licença maternidade para a amamentação. No Brasil, essa licença é garantida às mulheres que contribuem com a previdência social. No serviço público, são garantidos os seis meses, mas, no privado, a licença dura apenas quatro meses. Nos Estados Unidos, a licença maternidade é facultativa, e apenas 14% dos empregadores garantem-na. A Suécia garante um total de 480 dias de licença ao casal que recebe um filho recém-nascido (e esse direito é concedido a casais homossexuais também). Os 480 dias são distribuídos, sendo que ambas as partes do casal podem tirar apenas 30 dias ao mesmo tempo. Cada uma das partes tem direito a 90 dias (que incluem os 30 dias em que ambos ficam licenciados ao mesmo tempo). Os outros 300 dias são distribuídos pelo casal de acordo com sua vontade e necessidade. Esse fator também aponta que os serviços domésticos e o cuidado dos filhos são melhor distribuídos no país.

• Quanto à desigualdade de gênero no Brasil, o Brasil ocupa o 90º lugar num ranking elaborado pelo Fórum Econômico Mundial, exposto na página da Fundação Tide Setubal|3|, que analisou 144 países. Em 2016, o Brasil ocupava o 79º lugar, o que resultou no intervalo de dois anos uma queda de 11 posições. Para elaborar o ranking, a pesquisa relacionou temas como remuneração, assédio sexual, ocupação de cargos políticos, entre outros. Com forte desigualdade racial, os critérios analisados apontam que mulheres negras sofrem muito mais, tendo, por exemplo, menor acesso à escolaridade e ocupando profissões não especializadas e que pagam menos.

Notas

|1| BEAUVOIR, S. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

|2| Acesse a matéria clicando aqui.

|3| Acesse as informações clicando aqui.

 

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