Contracultura: o que é, origem, objetivos, exemplos

O termo contracultura foi cunhado pela imprensa norte-americana dos anos 1960. Referia-se a manifestações culturais marginais, contestadoras, que floresciam nos EUA e em outros países, especialmente na Europa, representando formas não tradicionais de oposição.

Desse movimento múltiplo de contraposição que respondia à acelerada industrialização, crescimento econômico e racionalização científica no pós-guerra, surgiram importantes manifestações artísticas, como o rock, os movimentos hippie e punk, bem como a internacionalização do movimento estudantil, que culminou em manifestações concomitantes em diversos países em maio de 1968. O movimento contracultural da década de 60 representou uma revolução comportamental nas sociedades ocidentais.

Símbolos do movimento hippie

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Contexto histórico

Depois da Segunda Guerra Mundial, o mundo ocidental experimentou um período de crescimento econômico, ampliação da qualidade de vida e efervescência cultural e política, o qual o escritor Eric Hobsbawm denominou de “Era de Ouro”. O padrão de vida que antes era restrito aos ricos passou a contemplar também as classes médias. Houve um incremento de pessoas no mercado de consumo de bens e serviços, mais direitos e um número cada vez maior de mulheres no mercado de trabalho. O tempo de estudo dos jovens aumentou e também o período em que eram sustentados pelos pais, podendo dedicar-se, inclusive, a uma formação superior.

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A juventude emergiu como grupo consumidor, como classe estudantil e como modelo valorizado na cultura de massas. Karl Mannheim, grande estudioso da juventude enquanto conceito sociológico, afirma que, em uma sociedade inclinada à dinamicidade, a juventude é prestigiada e requisitada nos movimentos de mudança social.

Embora não seja inerentemente revolucionária, pois pode ser impulsionada tanto por movimentos revolucionários quanto por movimentos conservadores, a juventude funciona sociologicamente como agente revitalizante, sendo quem melhor se ajusta às novas situações ou às circunstâncias em acelerada transformação.

Na década de 50, mulheres e jovens destacavam-se como forças sociais. Mulheres ingressavam no mercado de trabalho, passavam a complementar a renda da família ou mesmo alcançavam a independência financeira. Os divórcios aumentaram e foi desenvolvida a pílula anticoncepcional, a qual permitiu que a gravidez pudesse ser planejada e o número de filhos por mulher diminuísse.

Leia também: Revolução Industrial – consolidação do capitalismo na sociedade ocidental

Surgimento da contracultura

A juventude dos anos 60 descrita abreviadamente no tópico anterior não havia experienciado os conflitos da geração de seus pais: depressão econômica e os horrores de uma guerra. Logo, viam seus pais extremamente satisfeitos com um emprego fixo, férias remuneradas, aposentadoria e não compreendiam como eles se contentavam. Também consideravam a postura dos adultos apática em relação à Guerra do Vietnã – propagada massivamente pela televisão norte-americana como uma missão civilizatória – e à expansão do capitalismo propagada pelo governo americano como uma expansão do desenvolvimento e combate ao comunismo.

Nesse sentido, a contracultura teve sua gênese em um conflito geracional entre essa juventude e os seus pais, posto que ela via o capitalismo com maus olhos e queria fazer diferente de seus antecessores. A partir de universidades e integradas ao uso das tecnologias, compartilhavam ideias com seus pares em outros lugares do mundo, ansiavam por criar novos valores e ideais, bem como uma nova cultura que impedisse a sociedade de sucumbir novamente a uma aventura totalitária.

A rebeldia e o inconformismo direcionaram-se à burocracia dos governos, ao sistema capitalista, ao consumismo, às guerras, aos regimes ditatoriais. Apresentavam-se contra a cultura hegemônica, mas também a consumiam e a utilizavam para propagar seu ideário, em uma relação contraditória com a cultura de massas.

A indústria cultural, por sua vez, passou a produzir em larga escala e oferecer para um público maior as vestimentas, músicas, livros, filmes e outros símbolos que caracterizavam a contracultura. Esse foi o método por ela utilizado para absorver e neutralizar todos os movimentos de descontentamento que se opunham ao capitalismo: simplificá-los e transformá-los em produto.

Os adeptos da contracultura contrapunham-se à industrialização acelerada. Para eles, a base racional, pragmática e puramente técnica pela qual as sociedades ocidentais se desenvolviam era a motivadora das duas grandes guerras mundiais. Esses jovens inconformados desejavam fundar uma nova sociedade, diferente daquela que estava posta. Imbuídos de conceitos alternativos sobre o mundo, produziam sua própria cultura.

Em vez do individualismo, valorizavam a ideia de uma vida em comunidade, sem hierarquia; em vez de uma dominação vertical estatal, primavam pelo diálogo e persuasão; em vez de uma produtividade exacerbada, produzir o necessário para a manutenção da vida e aproveitar o tempo de outras formas, com lazer e prazer. Em vez do cientificismo, interessavam-se pelas religiões orientais, pela meditação, contemplação.

A contracultura dos anos 60 reuniu em seu bojo muitos movimentos reivindicatórios, minorias políticas. O Movimento pelos Direitos Civis aglutinou diversos grupos culturais, transpondo os limites da esquerda tradicional político-partidária. A rebeldia era exposta a partir do corpo, forma de se vestir, falar, comportar-se e, mesmo que não tenha gerado grandes mudanças na macropolítica, ocasionou mudanças comportamentais em escala global.

Trouxe também grandes contribuições artísticas para o mundo. Na música, destacaram-se o rock e músicos ligados ao movimento, como Jimi Hendrix, Janis Joplin e Beatles. No cinema, destacaram-se os filmes de Stanley Kubrick; nas artes plásticas, pinturas pop art; na literatura, o movimento beat.

Exemplos de contracultura

O movimento hippie surgiu nos Estados Unidos, durante a década de 1960. Seus adeptos organizavam-se em comunidades rurais e, entre suas demonstrações de rebeldia, estavam passeatas pela paz, uso de drogas, sexo livre, organização de festivais. Os principais lemas, até hoje amplamente conhecidos, eram “paz e amor” e “faça amor, não faça guerra”.

O mais famoso festival, que reuniu cerca de meio milhão de pessoas, foi o Woodstock. Os hippies eram contrários às guerras, em especial a Guerra do Vietnã, eram antiarmamentistas e antinacionalistas. Seu estilo de vida era nômade, com a assimilação de práticas de religiões orientais. Praticavam o nudismo e pregavam a liberdade sexual, o amor livre, a não violência, a preservação ambiental. Esse modelo de comunidade espalhou-se pelo mundo e, mesmo que tenha perdido sua popularidade a partir da década de 70, é um modelo de vida em grupo que é praticado por pequenas comunidades até hoje – em Goiás, por exemplo.

O movimento punk surgiu em Nova York, em 1974, ligado a um estilo musical dentro do gênero rock. Sua contestação era direcionada ao rock progressivo, que fazia muito sucesso comercial e era considerado pomposo pelos adeptos desse movimento underground. Também era crítico ao movimento hippie. Nos EUA a banda que mais se destacou foi Ramones.

Espalhou-se pelo mundo e, no Reino Unido, caracterizou-se pela contestação política ao governo e pela influência de ideais anarquistas e socialistas. Teve como principais representantes as bandas The Clash e Sex Pistols. Diferentemente do movimento hippie, o movimento punk tinha como lemas a individualidade e a independência. A frase característica era o “faça você mesmo”, que impulsionou o surgimento de gravadoras independentes e até de design e moda artesanais para os músicos e fãs.

Esse gênero também abarcou artistas independentes da literatura e do cinema. Na música, abriu espaço para as mulheres, que chegaram a liderar bandas. A marca registrada do movimento punk é o moicano, inspirado no visual de índios norte-americanos. No Brasil, a cena punk desenvolveu-se principalmente em São Paulo e Brasília.

O cenário musical punk abriu espaço para as mulheres, como o exemplo da banda britânica The Slits. [1]

A revolução cultural capitaneada pelos Estados Unidos e que ganhou contornos mundiais ocorreu em um momento histórico em que o Brasil vivia sob uma ditadura militar. Especialmente a partir da promulgação do Ato Institucional nº 5, a perseguição a opositores políticos e a censura à imprensa e à classe artística intensificaram-se.

Durante a década de 60, o Brasil vivia um período de efervescência cultural, com sua musicalidade expressa na bossa nova, por exemplo, sendo apreciada em todo o mundo. Também experimentava efervescência política com um movimento estudantil forte. Havia inclusive festivais nacionais do cancioneiro popular promovidos em ligação com os movimentos estudantis.

A repressão e a censura praticadas durante a ditadura militar desaceleraram esse processo, mas não impediram que manifestações de contracultura se desenvolvessem. Embora a Jovem Guarda tenha trazido o rock para o Brasil, o movimento artístico que mais se aproximou da proposta contestadora da contracultura norte-americana foi a Tropicália.

Banda Novos Baianos, representante do movimento contracultural brasileiro da década de 70. [2]

Grupos como o Novos Baianos e Mutantes misturaram o rock com ritmos brasileiros e uma estética inovadora, rebelde e irreverente para apresentar uma reivindicação de liberdade sobre o que dizer e cantar, além de uma mensagem crítica aos meios de comunicação de massa, ao consumismo e, também, à fração de artistas brasileiros que se concentrava exclusivamente na militância política. Esse movimento legou ao Brasil artistas que se tornariam consagrados, como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Tom Zé, Moraes Moreira, Baby do Brasil e Gal Costa.

O cinema novo, cujo principal expoente foi Glauber Rocha, também é um exemplo brasileiro de contracultura, bem como a banda experimentalista Secos & Molhados, liderada por Ney Matogrosso na década de 70.

Cultura e contracultura

A cultura abrange tudo aquilo que pode ser aprendido e ensinado, logo está presente em todos os nossos processos de interação, seja com as pessoas, seja com o ambiente que nos rodeia. Se é aprendida, ela não é natural, nós não nascemos com ela, mas a internalizamos conforme vivemos em sociedade.

Ela é produzida e reproduzida, nós a aprendemos e também a modificamos, pois ela não é estática. Desde a linguagem, as ideias, a escrita, as artes, as crenças, o modo de nos relacionarmos com o nascimento, o crescimento e a morte, até a maneira de realizar as atividades mais básicas do cotidiano, como trabalhar, comer, vestir-se e divertir-se, tudo que fazemos faz parte de um ambiente simbólico em que fomos ensinados e que também adaptamos e transformamos em nossa socialização.

O saber, o fazer e o conviver são desenvolvidos de modo a criar padrões de comportamento. Nós nos ajustamos a esses padrões, mas também criamos novos padrões, novas gírias, novas músicas, novas formas de dançar e interagir, modificações no realizar das atividades e no ambiente. A tecnologia, por exemplo, tem modificado profundamente o nosso dia a dia e nossos relacionamentos, isso é a cultura em movimento.

Contracultura, em termos gerais, é uma postura radicalmente crítica à cultura vigente. Nessa concepção abrangente, de uma contestação não convencional à cultura hegemônica, ela aparece de tempos em tempos vinculada à crítica social. Quando isso acontece – ainda que inicialmente seja revigorante e que o choque de ideias e comportamentos possa gerar mudanças, novos paradigmas de pensamento e padrões de conduta –, à medida que ela cresce, é assimilada pela indústria cultural, que esvazia seu componente crítico e a transforma em mercadoria.

 

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