Ocorrida entre 1990 e 1994, a guerra civil em Ruanda começou quando tropas formadas por tutsis e hutus moderados, refugiados em Uganda, iniciaram ataques contra o governo de Juvénal Habyarimana. Esse conflito tomou proporções de genocídio étnico quando hutus organizaram milícias e realizaram ataques contra os tutsis, o que resultou na morte de mais de 800 mil pessoas.
Raízes da rivalidade entre tutsis e hutus
Ruanda é um pequeno país, localizado na África centro-oriental, habitado há muito tempo por três etnias: hutus e tutsis, que representam a grande parcela da população ruandesa, e os twa, representantes de uma minoria no país. A rivalidade existente entre tutsis e hutus remonta a uma Ruanda de antes da colonização, mas foi durante o período de dominação dos colonizadores que essa hostilidade acentuou-se. Apesar disso, tutsis e hutus partilham, em geral, da mesma cultura, possuem tradições similares e falam o mesmo idioma (kinyaruanda).
Ainda na formação do Reino de Ruanda, no século XVIII, houve o surgimento dessa rivalidade entre tutsis e hutus. Naquele momento, o governo do país estava nas mãos de um rei tutsi e a elite econômica do país era majoritariamente composta por tutsis criadores de gado. Nessa época, inclusive, a palavra tutsi tornou-se sinônimo de elite política e econômica do país.
Com o processo de neocolonialismo, a rivalidade entre os dois grupos cresceu consideravelmente. Os primeiros colonizadores que se estabeleceram na região foram os alemães, ao final do século XIX. O domínio dos alemães sobre Ruanda aconteceu em parceria com os tutsis, que ocupavam os principais cargos da administração colonial e gozavam de uma série de privilégios.
Essa “etnicização” de Ruanda intensificou-se quando os belgas assumiram a colonização do país a partir da década de 1910. Os tutsis permaneceram como a classe possuidora de privilégios em detrimento dos hutus porque os europeus consideravam-nos mais “europeizados” em razão de seus traços finos do rosto e pele mais clara e, por isso, foram considerados “superiores” pelos belgas. Essa separação étnica foi acentuada a partir da década de 1930, quando os belgas passaram a exigir a emissão de cartões de identidade que informavam a etnia dos habitantes de Ruanda.
Com o processo de descolonização da África, que ocorreu na década de 1950, os movimentos independentistas ganharam força no país. Esses movimentos, em geral liderados por hutus, desejavam garantir a independência do país e pôr fim aos privilégios dos tutsis. O processo independentista em Ruanda resultou na Revolução Ruandesa de 1959, que ratificou a independência do país em 1962.
Durante esse processo revolucionário, surgiu no país um movimento supremacista, o qual defendia a prevalência dos hutus sobre os tutsis e afirmava que estes seriam forasteiros que teriam migrado da Etiópia para Ruanda séculos atrás. O presidente eleito após a independência, Grégoire Kayibanda, colocou em prática uma política de perseguição aos tutsis, que levou milhares de pessoas a refugiarem-se em país vizinhos, como Uganda e Burundi.
Juvénal Habyarimana e a guerra civil
A crise econômica foi acentuada à medida que a ajuda estrangeira para a economia ruandesa condicionava-se a uma maior democratização do país. Em meio a isso, a crise contribuiu para o crescimento do discurso de ódio contra tutsis e para a exaltação dos hutus com a ação da Akazu, uma organização extremista que deu origem ao “Poder Hutu”, grupo que foi responsável pelo genocídio dos tutsis em 1994.
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Esse grupo foi criado pela esposa do presidente Habyarimana, Agathe Habyarimana, e era composto por membros do governo e da elite econômica e política do país. O discurso de ódio foi disseminado pela Akazu por meio de um jornal governamental chamado Kangura e, a partir de 1993, foi também transmitido por um canal de televisão, chamado Radio Télévison Libre des Milles Collines (RTLM).
A guerra civil no país estourou em 1990, quando os tutsis iniciaram um ataque contra as tropas governamentais com uma milícia armada, organizada entre os refugiados instalados em Uganda. Esse grupo ficou conhecido como Frente Patriótica de Ruanda (FPR) e tinha como objetivo assumir o poder para permitir que os refugiados tutsis em Uganda pudessem retornar ao país.
Essa fase da luta estendeu-se até 1993 sem muita definição, quando o presidente Habyarimana aceitou assinar um cessar-fogo com a FPR e estabelecer alguns acordos entre as partes. Além do término do conflito, Habyarimana concordou com o retorno dos refugiados tutsis para Ruanda. Também foi estabelecida a formação de um exército conjunto entre as tropas governamentais e da FPR, além de marcar novas eleições.
Genocídio ruandês
A assinatura do cessar-fogo irritou os grupos de extremistas hutus, que passaram acusar o presidente de traição. Esse breve período de paz ficou marcado pelo evidente clima de tensão no país, com o Poder Hutu disseminando discurso de ódio e incentivando a população hutu a armar-se. Foi registrado nessa época o desenvolvimento de inúmeras milícias populares que se armavam de todas as maneiras possíveis.
Essa situação de tensão em Ruanda foi registrada também em estudos conduzidos por entidades humanitárias, que concluíram que o país estava sob evidente risco de retornar ao conflito. Além disso, constatou-se que as milícias estavam armando-se e que, portanto, representavam um grande risco. Essas milícias, que eram chamadas de Interahamwe (“aqueles que lutam”), receberam armamentos em carregamentos enviados pela França. Esses estudos foram ignorados pela ONU, e nenhuma ação preventiva foi tomada.
Em 6 de abril de 1994, o presidente voltava da Tanzânia quando seu avião foi atacado nas proximidades do aeroporto de Kigali, capital de Ruanda. Como resultado desse incidente, no qual todos os tripulantes morreram, o Poder Hutu imediatamente acusou os tutsis de terem realizado o ataque contra o presidente. Isso foi utilizado como pretexto para retomar o conflito e incitar a população hutu a promover ataques contra a população tutsi.
Os 100 dias seguintes à morte do presidente Habyarimana foram marcados pelo terror. Os extremistas hutus tomaram o poder e promoveram um grande genocídio no país. Os hutus, armados principalmente com facões, realizaram grande perseguição contra os tutsis e efetuaram grandes massacres por toda Ruanda. Nesse período, estima-se que cerca de 800 mil tutsis tenham sido mortos.
O massacre promovido pelos hutus somente foi interrompido quando a FPR conseguiu conquistar Kigali, destituindo os extremistas do poder de Ruanda. Após isso, ainda foram registrados ataques contra hutus em represália, contabilizando-se o número de hutus mortos em torno de 60 mil. Calcula-se, ainda, que cerca de 1 milhão de pessoas tenham morrido de 1990 até 1994. O governo instalado pela FPR proibiu as divisões étnicas no país após o genocídio ruandês.